Salvador, 14 de novembro de 2012.
Senhor(a) Editor(a)-chefe da revista Veja,
O Fórum Baiano LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), entidade
estadual que reúne 71 grupos de todo o estado da Bahia que lutam por
direitos humanos e por direito à livre orientação sexual e identidade de
gênero, repudia o artigo “Parada Gay, cabra e espinafre”, assinado por
J. R. Guzzo e publicado nas páginas 116 a 118 da edição de 14 de
novembro de 2012, por se tratar de um arsenal de vitupérios homofóbicos,
preconceituosos e difamatórios, sustentados por argumentação frágil,
ignorante e desqualificada.
Esclarecemos
que o sentimento de indignação aqui exposto é compartilhado por
militantes, jornalistas, articulistas e blogueiros que tornaram pública,
em diversos veículos de comunicação em todo o país, idêntica reprovação
à postura vil assumida por essa revista quando da divulgação do
referido artigo. Além disso, temos a convicção de que muitos entre os
leitores e assinantes dessa revista não apenas não compactuam com tais
opiniões, como também as condenam de forma veemente.
O
primeiro traço de ignorância ou – muito mais provável – má-fé
observa-se na insistência do autor do artigo em usar o termo
“homossexualismo” para se referir à orientação sexual daqueles que ele
tenta, a todo custo, desqualificar. Será mesmo necessário lembrar que o
termo de uso corrente é “homossexualidade”? O outro, de preferência do
articulista, era adotado em épocas remotas para designar uma doença, mas
foi definitivamente banido da lista do Código Internacional de Doenças
da Organização Mundial de Saúde desde 1990. É sob essa ótica que ele
insiste em ver a homossexualidade?
Aliás,
a teimosia em ver a homossexualidade como doença fica bem clara quando
J. R. Guzzo afirma que a doação de sangue não é um direito ilimitado e
que também é proibido àqueles que tenham uma história clínica de
diabetes, hepatite ou cardiopatias. O que ele não sabe (e não nos causa
espanto perceber mais essa ignorância) é que doação de sangue por
pessoas LGBT não pode ser coibida e, caso seja, tal atitude pode e deve
ser sempre denunciada.
Sim,
somos obrigados a concordar com Guzzo que “já deveria ter ficado para
trás no Brasil a época em que ser homossexual era um problema”. Mas
lamentavelmente não ficou, e a lesbofobia, homofobia, bifobia e
transfobia persistem como cânceres sociais, tornando a expressão da
homossexualidade um risco de vida cada vez maior. Sobre isso,
convenhamos que confrontar 300 assassinatos de pessoas LGBT no país ao
longo de um ano com os 50 mil homicídios em geral no mesmo período é a
mesma artimanha leviana usada por tantos reacionários que desejam mudar o
enfoque dos crimes homofóbicos na tentativa de transformar os fatos
cruéis em um delírio coletivo. Os 300 assassinatos de pessoas LGBT
referem-se exclusivamente aos crimes de ódio motivados pela orientação
sexual ou identidade de gênero. Se somarmos a ele os registros de
pessoas LGBT vítimas fatais de arrastões, sequestros-relâmpago e
assaltos nas ruas, por exemplo, esses índices aumentarão sobremaneira.
De resto, desconhecemos registros de crimes contra qualquer pessoa pelo
simples fato de ser heterossexual.
Também
alegar que o movimento gay é uma fábula, uma invencionice, uma ficção
é, na melhor das hipóteses, desconhecer a história, ou seja, sinônimo de
burrice. Se considerarmos a revolta de Stonewall, ocorrida em Nova
York, no dia 28 de junho de 1969, como marco inicial do movimento em
favor da luta por direitos dos homossexuais, só aí já se vão 43 anos!
Será mesmo necessário relatar tudo que foi feito desde então ao redor do
mundo em forma de luta social?
Homossexuais
não devem ser tratados como um bloco só por que são distintos entre si?
E qual grupo social é formado pessoas homogêneas, indistintas ou robôs?
Como afirma Jean Wyllys no artigo “Veja que lixo!” (http://jeanwyllys.com.br/wp/ veja-que-lixo),
“a comunidade LGBT existe em sua dispersão, composta de indivíduos que
são diferentes entre si, que têm diferentes caracteres físicos, estilos
de vida, ideias, convicções religiosas ou políticas, ocupações,
profissões, aspirações na vida, times de futebol e preferências
artísticas, mas que partilham um sentimento de pertencer a um grupo cuja
base de identificação é ser vítima da injúria, da difamação e da
negação de direitos!”. Apesar de distintos, temos uma causa comum. Isso é
o que constrói um movimento social. Não, os preconceitos dos quais
somos vítimas não são imaginários e os direitos pelos quais lutamos não
são duvidosos.
Sobre
a “brilhante” comparação entre o casamento igualitário e as relações
entre homens e cabras, é preciso lembrar que pessoas LGBT não são cabras
nem qualquer outro animal irracional. Aliás, a diferença entre nós e o
articulista é exatamente essa: nós pensamos. Sabendo disso, devemos
lembrar que as leis estão aí inclusive para serem modificadas, pois a
sociedade evolui e não pode ficar escrava de uma letra morta. Imagine se
fôssemos obrigados a seguir ao pé da letra o Código Civil Brasileiro
instituído em 1916 e que vingou por longos 86 anos. Se o casamento, por
lei, é a união entre um homem e uma mulher, é isso que nós queremos e
podemos mudar, justamente por que buscamos igualdade de direitos com
qualquer outro cidadão brasileiro. Não estamos muito dispostos a ter que
declarar heranças em testamentos para garantir 50% dos nossos bens a
companheir@s, visto que são muitas as histórias de batalhas judiciais
desfavoráveis a pessoas LGBT por pura e simples homofobia institucional.
Fórum Baiano LGBT
3 comentários:
Apoiada a nota de repúdio do Fórum Baiano LGBT à Revista Veja. Boicotemos esses veículos de comunicação que desinformam e deseducam a população. Como podemos obter o direito de resposta? A revista pode simplesmente ofender abertamente uma parte considerável da população?
Uma parte considerável da população... COMO?!!! Ora, moça, vai catar coquinho...
Revista Veja Chama Chalita de veado e o destrói:
https://caioares1.wordpress.com/2014/10/01/novo-escandalo-com-a-veja-forcou-gabriel-chalita-a-renunciar-a-politica-parte-2/
https://caioares1.wordpress.com/2014/12/20/caio-ares-veja-chama-chalita-de-veado-e-o-destroi-3/
Postar um comentário