Pesquisas recentes indicam a homofobia como um dos preconceitos que fomenta altos índices de evasão escolar e repetência. Entretanto, compreendemos que, para superar a homofobia na escola ou fora dela, mesmo que minimamente, não bastam aplicações de leis, é preciso medidas a médio e longo prazo que desconstruam histórico-culturalme nte esse preconceito, promovendo cultura de paz e respeito ao diferente, e não há meio mais eficaz, se não o da educação, o uso da escola como instrumento de respeito à diferença.
Logo, pensemos na escola para além da violação de direitos que nela paira. Ela, assim como vários ambientes político-sociais, apresenta uma diversidade de sujeitos e objetos que a configuram enquanto lugar heterogêneo. Mesmo que boa parte ou alguma das pessoas que nela atuam, corroborem o preconceito, apresentamos, entretanto, uma escola com a existência de pessoas e seus discursos preconceituosos e não uma instituição preconceituosa fadada à derrota ou a findar-se em si em meio ao preconceito.
Ao se afirmar que uma escola é excludente, generaliza-se práticas, pessoas e instituições. Nega-se a existência, mesmo que mínima, de humanizadores. Não se leva em consideração divergências, contradições e discursos opostos num espaço genuinamente heterogêneo, além disso, reforça-se discursivamente o próprio preconceito. Assim, politicamente nos posicionamos em função de meios que superem a homofobia . Há rosas cheirosas e belas por trás dos espinhos. A Educação em Direitos Humanos ainda não é um discurso hegemônico, mas o universo conspira para ele.
Em vista do supracitado , apontamos a formação docente como instrumental para o trato com a diversidade sexual. É pressuposto de nossas pesquisas e inquietações pedagógicas que o professor e demais sujeitos da escola pública, sendo eles homofóbicos ou não, têm acentuada lacuna no que tange a sua formação de graduação na Educação Superior e posteriormente na formação continuada, acerca do debate da Diversidade Sexual e Direitos Humanos em geral. Essas temáticas pouco tranversalizam os currículos nos programas das licenciaturas e demais cursos das Universidades Brasileiras, assim como são poucas as capacitações, formações e especializações voltadas para o professor, que percebe esse debate como atual e necessário para a educação básica formal, levando a escola, em geral, a omitir-se desse debate.
Contudo, a denuncia de que a escola se omite diante das questões de Diversidade Sexual, não implica dizer que não temos professores comprometidos com a qualidade do ensino, o bem estar de seus educandos. Muitas vezes o educador não tem a noção ou compreensão que a sexualidade perpassa na formação desses alunos, sendo crucial, igualmente, para seu bem estar. A formação do docente é muito mais a causa, muitas vezes , para sua indiferença à temática, do que manifestação de homofobia, e mesmos aqueles homofóbicos, a lacuna da discussão sobre Diversidade Sexual, é fator potencial na manutenção desse discurso homofóbico enquanto discurso autorizado e ditador de determinadas normas sociais.
Segundo Souza (2006), a formação do professor da educação básica é resultado, sobretudo, da prática pedagógica de Instituições de Ensino Superior, ela não é, entretanto, fruto de uma prática docente (muitas vezes confundida como prática pedagógica), mas sim de uma pratica pedagógica de várias Instituições, experiências no colegial, participação em eventos acadêmicos, congressos, monitorias, estágios supervisionados, atividades de extensão etc., ou seja, elementos que formam a prática pedagógica. Encarando-se a formação do professor como processo e dependente da prática pedagógica, também processo, podemos elencar aqui algumas razões, talvez, para que a formação do professor de escola pública seja tão ausente e lacunar no que tange à temática da sexualidade, bem como, possivelmente, sugerir ações que levem em consideração todas as experiências formadoras supracitadas na preparação do professor para lidar com a Diversidade Sexual na escola, local onde a sua prática docente, aliada a ação de sujeitos como gestores e alunos, construirão conhecimento. A prática pedagógica é uma prática social nas suas múltiplas funções, dimensões formativas, ela é uma prática de significação, e assim sendo, é uma prática identitária, e nesse âmbito se insere a prática do docente.
Quando propomos a formação inicial e continuada docente como instrumento eficaz no combate aos preconceitos que pairam sobre a escola, não afirmamos que a formação docente dá conta de todos os problemas da escola, em especial no tocante ao combate da violência e discriminações, principalmente porque entendemos que o preconceito e seu combate é algo situado cultural e historicamente, ele não se dá em curto prazo, além disso, é necessário estrutura para o professor, desde materiais didáticos, estrutura da escola, currículo e etc. Contudo, quando encaramos essa formação não como política de gestão, um projeto com inicio, meio e fim, e sim uma política contínua de estado, o curto prazo torna-se médio e longo prazo, uma desconstrução efetiva cultural e historicamente situada .
Não buscamos, outrossim, culpabilizar o professor por todos os problemas inseridos nas práticas escolares. Ora porque muitas vezes o preconceito parte do aluno e sua comunidade, ora porque a homofobia é social, não é fruto da escola . Por outro lado, acreditamos que o professor enquanto educador é um difusor e defensor de direitos, é uma responsabilidade que ele deve tomar em função do direito, deveres humanos em função dos direitos humanos.
Quando apresentamos essa perspectiva, não estamos negando, igualmente, a dificuldade de se respeitar à diferença e humanizar o ensino no contexto educacional brasileiro, principalmente porque o preconceito no ensino muitas vezes é velado, silencioso. No campo do preconceito esse silêncio se faz eloquente. Entretanto, temos a clareza de que muito já se sabe do que se tem de negativo na escola, porém, é interessante politicamente enfocar o que essa escola tem de instrumental para combater práticas discursivas excludentes, é essa “causa”, sob tal ótica, que o professor deve “abraçar”. Entendemos, entre outras coisas, que, uma mesma escola, sujeitos e objetos que oprimem, é a escola que potencializa os meios para superação de seus problemas, de modo particular, a superação da discriminação. Pensar a escola como aliada nos parece árduo em face do poder titânico dos discursos preconceituosos, basta analisarmos os índices de recentes pesquisas, contudo, o que parece estar aquém, fortuitamente, é possível e próximo em meio às praticas sociais pedagógicas. Atualmente, é possível disputar a escola para o combate de preconceitos, e isso nos é reforçado em Leis e Diretrizes Nacionais da Educação, o que implica a importância de se fortalecer a formação docente e prática curricular.
A formação docente, inicial e continuada, e o currículo têm papel fundamental nessa tomada histórica de poder no âmbito escolar, nos discursos que ela produz, é o papel de (re)significaçã o. A educação é instrumento estratégico da humanização do humano, tendo nos direitos humanos a pedra fundamental para um ensino-aprendizagem de qualidade. Ser humanizado não é prerrogativa de quem é Ser Humano, é algo que deve ser priorizado no aprendizado diário, a fim de propiciar práticas sociodicursivas libertadoras.
Em encontro à superação do discurso preconceituoso na escola, apontamos palavras-chave que, em certo modo, instrumentalizam o docente para alcance desse objetivo: negociação, disputa, relacionar, (des) construir. Poderes, saberes, verdades, discursos e sentidos.
Artigo de autoria do Professor Luciano Freitas Filho - Departamento de Letras, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro do Núcleo de Cidadania Homossexual da UFPE . Vice-presidente da ONG Movimento Gay Leões do Norte e membro da Gerência de Direitos Humanos da Secretaria de Educação de Pernambuco.
0 comentários:
Postar um comentário