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segunda-feira, 22 de março de 2010

[ARTIGO] Lésbicas só pela internet - Laura Bacellar

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Tenho tido contato com garotas que são lésbicas só na internet, dentro de seus quartos, diante do computador. Na vida, com pessoas, no trabalho, com seus pais elas são “heteros”.

Tudo bem quando isso é uma fase e a menina depois começa a testar suas asas, mas quando a moça diz que tem 25 ou 30 anos e está esperando arrumar um emprego, sair de casa, ser independente para viver, vejo aí um belo problema.

Porque a vida, como quem tem um pouco mais de idade bem sabe, passa rápido! Vejo meninas a caminho de se tornarem amanhã solteironas amargas, solitárias, sem uma rede de amigos gays e lésbicas com quem trocar experiências, sentindo-se isoladas em suas próprias famílias.

Eu conheço várias mulheres exatamente assim porque ficaram em casa durante os anos 70 e 80 em vez de se arriscarem a ter vivências homo. O mundo hetero não recompensa o nosso bom comportamento, lamento dizer.

Lá para trás era até mais compreensível você ser tomada de medo, já que o preconceito era gigantesco, não havia listas de lugares gls, a gente tinha que descobrir alguém que nos mostrasse onde era o único bar de caminhoneiras da cidade – que era bem baixaria mesmo – e aí ter coragem de entrar naquele ambiente tão estranho e proibido. As informações eram poucas e a sociedade – durante a ditadura, vamos lembrar – pouquíssimo favorável a minorias. Mesmo assim um monte de mulheres e homens homossexuais e transgêneros saíram de casa, do armário, arrumaram relacionamentos, se expuseram, inclusive eu mesma, que tive que enfrentar pais super católicos e amigos para lá de caretas.

Fico então pensando na razão de haver tantas moças assim hoje, sem coragem de sair do quarto e ir a um mero encontro lgbt (uma garota com bem mais de 20 anos me perguntou se podia usar pseudônimo nas reuniões do Projeto Purpurina, dá para acreditar?), sendo que agora há tantos recursos e informações que não existiam para a minha geração e a sociedade ficou tão mais aberta.

Cheguei a algumas conclusões, que convido você a comentar.

Acho que a internet, o celular, a comunicação com câmeras, os sites de relacionamento trouxeram uma interconectividade maravilhosa, que permite à moçada encontrar gente de mesmos gostos no mundo inteiro. Uma garota lésbica pode experimentar muita coisa pela internet, pode ter uma rede de amigas com quem conversa o dia inteiro, pode até fazer sexo virtual com outra no Piauí.

Essas avenidas de comunicação são maravilhosas, todo mundo tem mais é que usar. Só que não passam de comunicação. Falar não é viver. Fazer sexo virtual não é ter um relacionamento. Postar bobagens no orkut (ou leskut ou facebook ou twitter) não é ter amigos.

Somos seres de carne e osso e precisamos de contato ao vivo para criarmos vínculos. Ouvir a voz de alguém enquanto vemos as mudanças de expressão facial, os movimentos do corpo, o ritmo da respiração é muito diferente de ouvir uma vozinha eletrônica acompanhando uma imagem de câmera no canto da tela.

Conviver com alguém no mundo real, ir até um determinado endereço combinando hora, gastando de dinheiro e energia, negociando as vontades de ambas as partes é muito diferente de mandar mensagens instantâneas enquanto fazemos alguma outra coisa.

Ou seja, acredito que a geração que nasceu e cresceu com a internet sabe se comunicar eletronicamente, mas muitas vezes não sabe viver. E viver nessa terra caótica, nesse planeta complicado, vamos combinar, não é nada fácil. A gente precisa treinar um bocado para se sair bem.

Veja moços e moças espantados em primeiros empregos, quando descobrem que seus chefes não são anjos amorosos (como talvez suas mães), mas pessoas irritantes e exigentes com as quais eles não têm a menor prática de como lidar. Vejo adolescentes achando que todos em volta vão correr para ajudá-los em seus sonhos, como fazer um filme ou escrever um livro ou ter um relacionamento perfeito. Recebo toneladas de emails de garotos e garotas frustradas porque o mundo não colabora com suas ideias geniais. E vejo lésbicas jovens – ou talvez nem mais tão jovens – apavoradas de tomar uma atitude, porque seus pais ou namorados (!) ou amigos não vão aprovar.

Então aqui vai minha sugestão: se você está enfiada no seu quarto diante do computador, saia para a rua. Aprender a diferença entre mentiras e verdades, entre truques e sentimentos verdadeiros, entre paixão e amor só dá para acontecer biologicamente ao vivo. A gente precisa encontrar pessoas, trabalhar, interagir para entender os jogos de poder, as seduções, as sacanagens que regem nossa existência. E também para sentir até onde vai nosso poder.

Se você é lésbica como eu, vai precisar mais ainda treinar se opor ao mundo, conviver com a desaprovação, se arriscar em ambientes estranhos, conhecer o que seus pais não ensinaram. Não tem jeito. O que as pessoas da minha geração talvez soubessem com mais facilidade é que o mundo não é perfeito e a gente precisa agir para conseguir o que quer. Ninguém vai bater na sua porta para oferecer um emprego perfeito, nenhuma princesa encantada vai vir até o seu quarto se jogar na sua cama. Você é quem tem que ir atrás, doa a quem doer.

Minha sugestão é que, se você está com sua vida homo enfiada na gaveta, existindo apenas no virtual, que busque todas as oportunidades possíveis de encontros ao vivo com pessoas de minorias lgbt. Festas, bares, boates, ruas gls, lojas gls, encontros como os saraus que a Editora Malagueta promove, palestras, encontros como os do Grupo Purpurina, qualquer coisa. Experimente conhecer gente, ver como falam, experimente estar em ambientes onde homossexuais são maioria e muita gente diz nome e sobrenome sem medo. Não importa se você não tem dinheiro, não conhece, não sabe. Corra atrás, garanto que a experiência vai ser totalmente diferente de qualquer bate papo online.

Dá medo? Claro.

Tem garantias? Nenhuma.

Talvez ninguém goste de você? Talvez.

Talvez você encontre amigos e mulheres maravilhosas pelo caminho? É quase certo.

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