DECLARAÇÃO PÚBLICA DE CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR
A Igreja católica - que perde moral por abusos sexuais cometidos por seus padres contra crianças, adolescentes e mulheres - interfere na redação do III PNDH sob a bandeira da moralidade. E o governo federal aceita.
O tema do abuso sexual cometido por religiosos volta a ganhar as páginas dos jornais em todo o mundo. Na realidade, a discussão sobre esse problema tão grave teve início em 2002, quando vários casos de pedofilia foram denunciados nos Estados Unidos. A partir dessas denúncias, as notícias de outros abusos por parte do clero em todo o mundo não pararam mais de ocupar a imprensa. Foram tornados públicos casos em países ricos e em países pobres. Também no Brasil, os casos ganharam destaque.
A primeira reação da hierarquia eclesiástica têm sido a de minimizar o problema, dizendo que esse tipo de caso é raro, que as denúncias atendem a interesses de ordem política, entre outros tipos de despistamento. O fato é que os padres que são alvos de tais denúncias são simplesmente transferidos para outras paróquias, ou seja, essa tem sido a forma que a Igreja tem encontrado para "resolver" a situação. Essas transferências, na verdade, contribuem para acobertar e manter impune o culpado, mas expõem a comunidade de destino a abusos semelhantes.
O problema, porém, vai ganhando espaço na mídia, com mais e mais denúncias em diversos países do mundo. Nos últimos meses, tornaram-se públicos clamorosos escândalos na Alemanha, Holanda, Irlanda, Brasil e Itália. Diante disso, não é suficiente que o Papa peça desculpas às vítimas de abusos sexuais. É necessária uma reação séria de investigação e punição de culpados, tanto por parte da Igreja, como por parte do Estado. O cidadão religioso, antes de tudo, é parte de uma sociedade e deve prestar contas de seus atos a ela. Por isso, a Justiça comum deve servir também para os religiosos. A Igreja só voltará a ganhar um pouco de credibilidade quando der uma resposta decente a todas essas denúncias e parar de encobrir abusadores que, na realidade, são criminosos.
Um fato importante, mas que tem tido pouca visibilidade e pouco destaque na mídia, é o abuso de mulheres adultas, tão comum quanto os casos de abusos sexuais de menores e adolescentes. As mulheres estão também, infelizmente, expostas ao poder e à violência de padres abusadores, justamente as mais vulneráveis: secretárias de paróquias, coroinhas femininas, catequistas e mesmo paroquianas pobres, cujas famílias às vezes dependem de auxílio econômico do pároco, têm histórias de abuso para contar. E nenhuma delas sequer imaginava que um padre - autoridade religiosa a quem aprenderam a respeitar - poderia ser um abusador. Sem poder contar com a compaixão que caracteriza a violência sexual contra menores, mulheres que chegam a fazer a denúncia têm sido expostas à execração pública por julgamentos negativos e humilhantes proferido por superiores hierárquicos do denunciado, sofrendo pressão e ameaça, sem contar com apoio de familiares, do aparato jurídico-policial, da comunidade religiosa e do público mais amplo. Ou seja, à violência sexual por padres contra mulheres se somam outras, que resultam em verdadeiro caos em suas vidas.
Sabemos bem que a visão preconceituosa e perniciosa que a Igreja tem em relação à sexualidade só favorece práticas pouco saudáveis na vida sexual daqueles/as que estão sujeitos/as a um celibato imposto. Se a liberdade de consciência é um princípio fundamental no cristianismo, como é possível manter a instituição do celibato obrigatório? Não seria muito melhor que os padres que quisessem casar, assim o fizessem? Aqueles que se sentem com vocação para o celibato poderiam conservar seu status de celibatários/ as e sem dúvida seriam felizes. Com isso não afirmamos que todo o celibato conduz ao abuso sexual, mas quando não existe liberdade, dificilmente poderemos imaginar uma vida de serviço, amor ao próximo e respeito às pessoas. A imposição só pode gerar práticas de abuso de poder, de abuso de autoridade e é isso que padres infelizes com seus celibatos têm feito com crianças, adolescentes e mulheres: abusado do poder que os reveste. Por que será que há mais casos de pedofilia na Igreja do que em outras instituições? As denúncias mais notáveis têm se referido mais a práticas de abuso por parte de padres do que de outras categorias.
O inexplicável é que - justamente em um contexto em que a Igreja perde sua credibilidade no mundo todo, deixando de ser vista como referência moral - o governo brasileiro mostra sua fragilidade ao ceder às pressões da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos no Brasil, retrocedendo na formulação do III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III). É neste momento, em que os direitos humanos de meninos, meninas e mulheres vêm sendo desrespeitados escancaradamente por atos de abuso sexual cometidos por padres, que o Governo resolve ajoelhar-se frente aos bispos brasileiros e dar as costas à população.
Quando o governo retira do PNDH-III o apoio à descriminalizaçã o do aborto no Brasil e a proposta de retirada de símbolos religiosos dos espaços públicos, está fortalecendo uma instituição que esconde seus padres abusadores, que culpa as vítimas - sobretudo as mulheres - pelo crime que elas sofreram, uma instituição que se mantém em uma grande ambigüidade ao proferir a fé cristã e, ao mesmo tempo, para salvar sua imagem, não tem coragem de assumir as próprias contradições.
O governo brasileiro deveria governar para todos/as os/as cidadãos/ãs, respeitar a laicidade do Estado e cumprir sua missão de governo, seguindo a constituição e não uma instituição religiosa - que inclusive agora se vê sem nenhuma autoridade moral -, o que não contempla os direitos de todos/as.
Leia mais informações sobre o tema no livro:
Desvelando a política do silêncio: abuso sexual de mulheres por padres no Brasil, de Regina Soares Jurkewicz, publicada por Católicas pelo Direito de Decidir em
2005.
Católicas pelo Direito de Decidir
www.catolicasonline .org.br
domingo, 28 de março de 2010
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