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terça-feira, 10 de agosto de 2010

[ARTIGO] A heteronormatividade e o teatro baiano - Leandro Colling*

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Avental todo sujo de ovo, Bevabbé, Diário de um sedutor, Caso sério, Bicha Oca, Todas as horas do fim, O melhor do homem. Quem acompanha o teatro baiano sabe que esses são títulos de peças que estiveram em cartaz em Salvador nos últimos tempos e que todas têm uma característica em comum: possuem personagens não-heterossexuais, travesti (a primeira), lésbica (a segunda) e gays (as demais). O melhor do homem, inclusive, re-estréia dia 6 de agosto, na Sala do Coro, depois de uma bem sucedida temporada no Teatro Martin Gonçalves.

E como as homossexualidades são representadas nessas peças? Essas obras reforçam ou subvertem o conjunto de normas que a sociedade criou para regular a nossa sexualidade? Estaria o teatro baiano construindo uma representação das homossexualidades diferente da que tem sido construída pela TV? E, aproveitando a re-estréia de O melhor do homem, o que essa peça traz de diferente em relação às demais?

Uma característica que une essas peças é a infelicidade dos seus personagens homossexuais. Nenhum deles está feliz com a sua sexualidade. A travesti porque a família não a aceita, a lésbica quer virar heterossexual e os gays são melancólicos, frustrados com o mundo, quando não portadores do vírus HIV. Por outro lado, todos os personagens são humanizados e não temos nessas peças o estereótipo da “bicha louca”, produtor de risos perversos do e no telespectador, comum em muitos programas de TV. A humanização fica evidente na construção de personagens com histórias de vidas complexas, que convidam a platéia a compreender os seus dilemas e tristezas.

Heteronormatividade

E O melhor do homem? Essa peça, com direção de Djalma Thürler, faz algo que as demais listadas aqui não fazem: implode a heteronormatividade de dentro dela própria. Heteronormatividade é o nome dado para o conjunto de normas construídas para enquadrar todos os corpos, relações, vidas dentro de uma matriz heterossexual. Essas normas incidem sobre todos. Por causa delas, o gay que se comporta de uma forma parecida com o heterossexual é mais bem aceito na sociedade. Personagens inscritos dentro dessa matriz também são os mais bem aceitos pelos telespectadores das telenovelas brasileiras. Quanto mais a pessoa se afasta das normas, mais preconceito ela sofre. Isso explica boa parte da violência contra travestis, gays afeminados e lésbicas masculinizadas.

Enquanto as outras peças listadas aqui criticam, ao seu modo, a heteronormatividade do ponto de vista da travesti, da lésbica ou do gay, O melhor do homem faz isso a partir do macho. E o que poderia ser a reafirmação da heteronormatividade se transforma em uma implosão dela própria. Esse talvez seja, do ponto de vista da representação das homossexualidades, o maior mérito e diferencial da peça protagonizada pelos atores Duda Woyda e Gláucio Machado. Nessa peça é o macho absurda e doentiamente heteronormativo que, a partir dele próprio, problematiza o quão cruel, nefasta e assassina é a heteronormatividade. E essa talvez seja uma das principais razões da emoção produzida ao final do espetáculo.

*Leandro Colling é professor da Universidade Federal da Bahia 

O Melhor do Homem/ Sala do Coro/6 de agosto a 5 de setembro (sexta a domingo)/às 20h/R$ 30 e R$ 15 (meia)

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