A falta de atenção do Poder Legislativo brasileiro em relação ao segmento LGBT resulta na falta de leis que assegurem seus mais elementares direitos, como o de estabelecer união estável, tal como ocorre com casais heterossexuais. Se por um lado não existe lei que garanta tal direito, por outro nada há em nossa legislação que impeçam as uniões homoafetivas. Não reconhecer as uniões estáveis estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo impossibilita o acesso a uma série de outros direitos, o que demonstra claramente que reconhecê-las é um direito fundamental. Considerando-se a lacuna de nossa legislação e que essas uniões fazem parte de nossa realidade, cabe ao Poder Judiciário acolhê-las e avaliá-las.
E mais uma vez estão os representantes da Justiça legislando, o que, por certo, em tese, não lhes caberia fazer.
As discussões acerca do reconhecimento dos direitos de homossexuais, principalmente no que diz respeito à possibilidade de estabelecerem uniões estáveis, existem há anos em nosso Judiciário, com uma gama de decisões proferidas em vários estados do país, já tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestado sobre o assunto mais de uma vez.
O tema chegou novamente aos ministros da 4ª Turma do STJ através de um Recurso Especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul, inconformado com sentença de 1ª instância que julgou adequada a ação declaratória movida por companheiros do mesmo sexo com o intuito de reconhecimento da união estável mantida entre eles. Já votaram favoravelmente ao casal os ministros João Otavio de Noronha e Luis Felipe Salomão estando agora o processo sob análise de Raul Araujo Filho. Após seu voto os autos seguirão para apreciação e voto dos ministros Maria Isabel Gallotti e Aldir Passarinho Junior.
O entendimento bastante retrógrado do Ministério Público vai ao sentido de que a sentença de 1ª instância deve ser anulada já que proferida por juiz de vara de família. Alegam os representantes do MP que as uniões homoafetivas são sociedades de fato, sem configurar a existência de uma entidade familiar, diante da ausência de previsão legal, cabendo seu julgamento, portanto, aos juízes de varas cíveis.
Em seu voto, o ministro relator do Recurso Especial afirma que às relações homoafetivas deve ser aplicado o princípio da analogia, de modo que recebam o mesmo tratamento conferido às uniões estáveis heterossexuais, fazendo menção à igualdade de direitos.
O resultado desse novo caso que chega ao STJ pode influenciar outros tantos que já tramitam perante tribunais do país. Sendo ele positivo, favorável aos parceiros homossexuais, abrem-se caminhos para novos pedidos, fazendo com que inúmeros casais tenham por fim reconhecido direito essencial que lhes garantirá acesso a outros tantos. O reconhecimento da união estável homoafetiva garante aos parceiros o direito à herança, à partilha de bens e até mesmo a possibilidade de adoção de crianças, considerando-se que na maior parte das vezes tais direitos lhes são negados sob a argumentação de que a lei não prevê as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo.
O STJ já decidiu que as questões referentes às uniões homoafetivas devem ser julgadas em varas de família, da mesma forma como ocorre com as uniões estáveis estabelecidas entre heterossexuais. Isso porque era frequente que as ações de reconhecimento fossem julgadas por varas cíveis, que viam a relação de afeto como sociedades de fato, como verdadeiras sociedades comerciais. Inobstante a decisão anterior do STJ, alguns julgadores ainda mantêm esse entendimento, remetendo as ações às varas cíveis para análise e julgamento.
Reconhecer nas uniões homoafetivas sociedades de fato, ao invés de uniões estáveis, pode trazer grandes prejuízos financeiros para os companheiros, além de ser, o que é mais grave, ato absolutamente discriminatório, que não pode ser praticado por caracterizar violação frontal aos princípios constitucionais de igualdade, liberdade e privacidade, dentre outros.
Se o Legislativo insiste em ser omisso, colocando de lado os projetos de lei que visam a proteger os homossexuais, cabe tal tarefa ao Poder Judiciário, que não pode permitir que parte significativa de nossa sociedade permaneça fora do alcance da proteção do estado.
* Sylvia Maria Mendonça do Amaral é especialista em Direito Homoafetivo, Família e Sucessões, sócia do escritório Mendonça do Amaral Advocacia e autora dos livros “Histórias de Amor num País sem Leis” e “Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e Transexuais” - sylvia@smma.adv.br
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário