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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Entrevista que Claudia Wonder concedeu em Salvador

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Confira fotos da entrevista no site de origem clicando aqui

Diva ícone trans do Brasil: atriz, performer, cantora, escritora e ativista LGBTTT.Wonder foi vocalista de banda punk, aprensentando-se no lendário clube underground Madame Satã, com o show “Vômito do Mito”. Neste, ficava nua, usando apenas uma máscara diabólica em uma banheira de groselha e a espirrava no público. O show e a performance habitam o imaginário e a memória do underground paulistano até hoje.
Lançou o livro “Olhares de Claudia Wonder”, reunião de textos seus na revista G Magazine e o CD “FUNKYDISCOFASHION” com os Laptop Boys. Recentemente foi também lançado o documentário “Meu Amigo Cláudia” de Dácio Pinheiro* que conta a trajetória de Wonder em paralelo à abertura política que se deu no país na década de 80.

Chegamos eu e um amigo no hotel em que estava hospedada, por conta da participação no evento “Stonewall 40 mais o que no Brasil?”. Ela nos recebeu gentilmente e nos ofereceu alguma coisa para beber, estava tomando energético para se preparar para o seu show logo mais. No quarto de hotel sentamos em duas cadeiras. Sobre a mesa: batons, rímel, espelho e outros produtos de beleza. Começamos a conversar, falei um pouco de como surgiu a idéia blogue* e qual a proposta dele. Cláudia me perguntou se era algo como um blogue queer, ao que respondi que sim, dizendo que é também feminista.

Começamos a entrevista, enquanto falava comigo maquiava-se, vez ou outra parando o que estava fazendo de forma a olhar direto para mim, de modo firme e penetrante. Seu tom enfático e seus gestos colaboram para a impressão que tive dela: forte, convicta, acessível e admirável. Parecia tão presente que eu quase não podia deixar de olhá-la nos olhos. Emocionou-se ao relembrar a sua trajetória e me respondeu com gosto e paciência. Antes de irmos, ela nos mostrou a boneca de barro que comprou, toda feliz. Mais feliz saí eu dali.

Viva la Vulva: Você é atriz, performer, cantora, escritora, enfim, artista multimídia, militante, atua em diversas áreas.

Claudia Wonder: Total!

VvV: Tem alguma de sua preferência?

CW: Se eu tenho preferência? Tenho. Eu gosto mais de fazer cinema. Eu tenho algumas experiências com cinema, eu gosto do clima, da direção, da própria espera do cinema, do resultado do cinema. O cinema é um lugar mágico. Você entra na história mesmo e é como se você estivesse dentro de uma caixa de ilusão, né?E tudo que envolve, todo o resto: a première o glamour…Acho fantástico.

VvV: Em que está trabalhando no momento?

CW: Hoje eu estou aqui trabalhando. Amanhã tenho que ir embora cedinho, porquê vou trabalhar, vou participar de uma palestra. Também vou estar trabalhando. Eu dou consultoria para atores e atrizes quando vão representar transexuais ou travestis. Inclusive, a última foi a Carolina Ferraz, que está se preparando para um filme aonde ela vai fazer uma transexual. Recebi um convite agora da Letícia Spiller que vai fazer uma travesti. Tudo isso é trabalho, né?

CW: Você assistiu ao meu filme?
 
VvV: Claro.

CW: Então, a Europa me deu uma renda, então financeiramente eu tenho uma renda com que eu posso viver, não com muitos gastos, mas tranquila. Esse é o meu trabalho. Não dá pra falar “com o que eu trabalho agora”. Sou multimídia. Aí me chamam pra fazer uma ponta no cinema, eu vou lá. O último foi agora a sequência do Bandido da Luz Vermelha, de direção da Helena Ignez. Enfim, eu vou fazendo…Escrevo, e me chamam pra escrever para um site, ou para uma revista feminina pra escrever um artigo sobre transexuais e etc.Então é assim, não tenho um trabalho certo, estou trabalhando mas nunca sei direito aonde vou atuar, digamos assim.Eu fiquei quase dois anos no Centro de Referência da Diversidade e depois fiquei mais alguns meses numa ONG chamada Casarão Brasil, lá em São Paulo. Acho que não é a minha.. A minha realmente é o palco, estar atuando, escrevendo, falando…O que eu sempre fiz, na minha vida inteira, né? Se você quer saber assim qual a minha fonte de renda, eu tenho essa “aposentadoria”.
Fora isso eu sou a síndica do meu prédio e sou remunerada pra isso. Assim a gente vai levando, né? Mas muito bem, sou uma pessoa feliz nesse sentido. Tenho CD, tenho livro aí está sempre pingando no banco. Espero que isso continue!(risos)

VvV: Quais artistas (artes visuais, música, artes cênicas e etc) você admira ou que de alguma forma te influenciaram/inspiraram em seus diversos trabalhos ou te inspiraram ao longo da vida?

CW: Isso aí vai mudando de acordo com a época. Quando você é adolescente, você tem alguns ícones, né? Por exemplo, quando eu era adolescente era a Rogéria, que como travesti era o meu ideal: artista, bem sucedida, enfim, bacana. A Rogéria é bacana. Depois nas minhas apresentações teve Marilyn Monroe, Judy Garland, Liza Minnelli, que era a minha fase do transformismo, em que eu fazia aquelas imitações então elas eram os meus ícones. Carmen Miranda também. Acho que tudo isso passa pela cultura gay. Depois as coisas vão mudando, né? Aí tem… Ai, Clarice Lispector. Ao longo da vida você vai amadurecendo e vai conhecendo outras coisas.

VvV: Como seu trabalho mudou também, seu trabalho musical foi do punk rock pra essa mistura de estilos do último CD, não é?

CW: Sim. Aí depois teve a fase do rock, tinha a Patti Smith, o Lou Reed. Nao é que “tinha”, todo esse pessoal continua no meu cenário, na minha
ideologia, em algum lugar eles estão ali, na minha fantasia. Eles não desapareceram, porque eles me ajudaram a criar essa personalidade, essa identidade, essa pessoa que eu sou.

VvV: O seu trabalho é extremamente político, essa é uma pergunta que não poderia faltar: Como você vê a relação entre arte e militância?

CW: Infelizmente eu vejo muito distante, o que devia ser muito mais próximo. Na questão GLBT eu acho muito distante, na cultura. E é pela cultura que eu acredito que a gente pode mudar a consciência de uma sociedade, de um povo. Pela educação, pela vivência. Não adianta você criar uma lei, aquela lei pode ser respeitada, mas em casa, será que o cara, o pai que respeita a lei na rua vai estar dando o mesmo exemplo? Ou em casa ele vai falar: viado, entendenu? Sapatão. No entanto se você pegar essa pessoa e colocar ele por exemplo no teatro do oprimido com certeza ele vi mudar. Fazer ele vivenciar um travesti, fazer ele vivenciar com a carga dramática, sentindo na pele. Aí ele vai mudar. Então eu acho que é só a cultura e a educação realmente que podem mudar. Não adianta só fazer leis. E infelizmente a arte está bem distante do movimento. Haja visto os editais de cultura GLBT, foi mínima, foi inexpressiva a quantidade de pessoas que inscreveram projetos, né?

VvV: Você pode contar um pouco de como foi a experiência de ter um filme feito sobre a sua história, o “Meu Amigo Cláudia”? 

CW: Em que sentido?

VvV: Nos mais diversos possíveis.  Ele (o diretor) passou anos recolhendo materiais, fotos, vídeos. Como é que foi ver o material todo editado, tudo prontinho?

CW: A primeira vez que eles me mostraram eu chorei o dia inteiro. Eu e um amigo meu. Não sabia direito porque tanta emoção, né? Depois estreou, teve a première mundial em São Francisco e foi assim, sensacional lá nos Estados Unidos…Um acolhimento, uma coisa maravilhosa! Aí quando começam a fazer perguntas sobre a sua vida a partir do filme e você começa a prestar atenção no teu sofrimento a partir da experiência das outras pessoas, você começa a ver teu próprio sofrimento de outra maneira. Por que às vezes você sofre e não acha que aquilo te abalou tanto, que aquele acontecimento mexeu tanto com você e no entanto ele mexeu bastante. Com outras pessoas poderia ser muito pior, entendeu? Aí eu tive uma depressão, quando eu comecei a ver por esse ângulo ou a sentir o quanto eu já tinha passado, o quanto podia ser diferente, né? E depois é só satisfação, porque, principalmente os jovens chegam dizendo: nossa, você me deu um gás pra continuar, para eu me assumir, pra eu tomar uma decisao na minha vida. Isso tanto gays como não gays. Ai isso é uma satisfação muito grande.

Ana C. – Entrevista e Edição de Imagem.

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