Nuno Miguel Ropio
JORNAL DE NOTÍCIAS (JN, de Portugal)
O processo de mudança de sexo e do nome próprio no Registo Civil, em Portugal, passará a ser o mais simplificado e rápido em todo o mundo, com a futura Lei de Identidade de Género, que o grupo de trabalho da comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias acaba de elaborar.
Durante um mês e meio, o grupo presidido pelo deputado independente do PS Miguel Vale de Almeida (foto) fundiu as duas propostas de lei, do Governo e do Bloco de Esquerda, aprovadas a 1 de Outubro na Assembleia da República, com base na audição de técnicos a notários, passando por associações e movimentos LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros) e Queer.
Com base no texto final, acaba-se a acção judicial interposta contra o Estado, como existe pelos menos desde 1995, e as conservatórias passarão a contar com um prazo de oito dias para realizar as alterações solicitadas pelo cidadão transexual, mediante a apresentação de um relatório elaborado por um médico e um psicólogo, que acompanharam algumas das fases do processo de transição.
Apesar da contestação do CDS-PP, do PSD e de alguns dos profissionais de saúde portugueses, que contactam com a população transexual, quanto ao facto de poder ser apresentado um relatório elaborado por um estabelecimento de saúde estrangeiro, tal possibilidade mantém-se no artigo que estabelece as diligências do pedido e instrução. A legislação prevê também que não será necessária a conclusão da atribuição de uma nova genitália para obter a mudança no Registo Civil, desde que identificada a Disforia de Género.
Segundo Miguel Vale de Almeida, o texto final conjunto, que poderá ser votado pelos deputados até ao início de Dezembro, resolvida a discussão do Orçamento, tem como estrutura base a proposta do Governo, alvo de "ligeiros pormenores de adequação". "A única diferença substancial entre as duas propostas eram os prazos, ficando os do Governo porque o Bloco reconheceu que estes eram mais eficazes, tendo deixado cair ainda algumas especificações sobre o diagnóstico", disse, ao JN, o deputado, frisando que na fusão dos dois projectos não "houve qualquer vitória ou cedências forçadas".
"A proposta final é melhor que a proposta do Governo e melhor que a do Bloco de Esquerda. Porque, de uma forma simples, permite responder ao objectivo de desjudicializar a mudança no registo civil do sexo e do nome. Isso conseguiu-se com uma série de preocupações, que estavam no texto do Bloco de Esquerda e que resultaram das audições", salientou, por outro lado, José Soeiro, autor da proposta bloquista. "Sem querer ser triunfalista, acho que Portugal terá, neste momento, a melhor lei a nível europeu e mundial sobre esta questão. Mas esta lei não acaba com a discriminação das pessoas transexuais na sociedade em geral. Será preciso sensibilização", acrescentou.
O texto conta com os votos favoráveis dos deputados do PS, BE, PCP e PEV. Enquanto os sociais-democratas terão liberdade de voto, o CDS-PP irá votar contra. A lei chegará às mãos de Cavaco Silva para promulgação em vésperas da campanha eleitoral das presidenciais.
Ao JN, Paulo Corte-Real, da Ilga Portugal, desvalorizou as críticas de alguns sectores da Direita que consideram a proposta "fracturante". "Falamos de uma lei que cumpre, sobretudo, as recomendações do Comissário Europeu dos Direitos Humanos, que apontavam para a urgência desta legislação em Portugal. E, por outro lado, foram levados em conta todos os textos de Direitos Humanos em relação aos cidadãos LGBT. Quer a questão da vida privada quer a questão da integridade física, são direitos alienáveis que ficam salvaguardados com esta legislação", explicou o activista, frisando: "Em Espanha, aliás, a Lei de Identidade de Género mereceu unanimidade do senado".
0 comentários:
Postar um comentário