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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Os gays palestinos em busca de identidade

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Tel Aviv
Nos territórios palestinos, os homossexuais, perseguidos, se escondem. Não existe qualquer lugar para se encontrarem. A homossexualidade é tabu. Muitos gays escolhem então fugir para Israel, onde eles são obrigados a viver na clandestinidade

Texto: Kistelle Bernaud 
Fotos: Loulou d’ Aki


Ramallah, pulmão econômico da Cisjordânia, oferece a imagem de uma cidade enérgica. Aí onde reside a Autoridade Palestina, encontramos hotéis chiques, uma multitude de bares da moda e uma vida noturna fervilhante. A cidade é uma bolha à parte na sociedade palestina e a comparação é comumente admitida com o que representa Tel Aviv para Israel. Entretanto, Khaled, habitante de Ramallah, sonha com a cidade branca israelense, situada a uns cinquenta quilômetros daí. Assalariado no Ministério do Interior, o jovem homem de 28 anos vive sua homossexualidade às escondidas. “Eu tenho uma dupla vida. Minha vida de “hetero” com minha família e meus amigos. E minha vida “gay” na internet e um círculo de amigos muito restrito. Às vezes nos encontramos à noite na casa de um deles. Mas o proprietário corre um risco em nos acolhendo.”

Estamos longe da atmosfera liberal e despreocupada de Tel Aviv, chamada de a bolha gay-friendly. Enquanto que Israel é o único país do Próximo e Médio Oriente onde a homossexualidade é legal, nos Territórios Palestinos, ela permanece um tabu. “ Se houvesse um medicamento que me permitisse parar de ser gay nesta sociedade, murmura Khaled, eu o tomaria logo em seguida.” Uma confissão que diz muito sobrea sorte dos homossexuais palestinos. Prisões, humilhações, torturas fazem as perseguições. Um homossexual é uma vergonha para sua família. Para lavar essa honra balbuciada, aqueles que são denunciados são frequentemente surrados, por vezes mortos.

“A DELAÇÃO É CORRENTE”
“Meu primeiro medo é por minha reputação e a de minha família, confia Khaled. Eu não posso correr o risco de sujar a imagem do meu clã.” Aos 28 anos, ele sofre as pressões familiares. “Minha mãe me pergunta sem cessar quando é que eu vou me casar. Meu pai diz que eu preciso de tempo, mas ele e meus irmãos sabem que eu sou gay. Nós não falamos jamais, pois eles não aceitam. Impossível de lhes confiar.” A família de Khaled vem da faixa de Gaza, mas fugiu em 2008, alguns meses após o golpe de Estado do movimento político religioso, o Hamas. “Lá, estaria completamente estrangulado. Não há qualquer meio de encontrar os gays. Tu não podes ter confiança em ninguém, pois a delação é muito corrente.”

Internet permanece o único lugar de encontro. Depois, um encontro é marcado em um dos bares ou clubes de Ramallah. Os homossexuais passam despercebidos, pois pegar na mão ou nos ombros de um homem permanece uma tradição árabe. Além do mais, em Ramallah, o quadro não é mais tão negro quanto a alguns anos. De acordo com Khaled, as mentalidades começam  tão justamente a evoluir. “Eu tenho alguns amigos gays que são um pouco afeminados. Muitas pessoas conhecem orientação sexual deles, mas não dizem nada.” Os gays não têm qualquer direito, mas desde que eles permaneçam invisíveis, eles são ignorados. “O governo sabe que a homossexualidade existe, mas ele fecha os olhos.”

Os gays palestinos que têm uma permissão para entrar em Israel se encontram nos night-clubs de Tel Aviv. Todo mês, uma noitada é organizada especialmente para os Árabes. A gente cruza com aqueles oriundos da burguesia palestina, mas também com homens de negócios, e mesmo com alguns membros da Autoridade Palestina. A palavra de ordem: a discrição. O que se passa no interior desses lugares gays não deve jamais sair dos muros.

“EM TEL AVIV, SOMOS LIVRES”
Farid não gosta de frequentar essas noitadas. Vestido com um jean e uma camiseta último grito, cabelos engomados semeados de algumas mechas loiras descoloridas, o jovem homem tem todo o ar de um Israelense. Ele fala correntemente hebreu, e não deixa nada parecer que possa trair sua origem. Palestino de Hebron, aos 27 anos, ele conhece todos os segredos de Tel Aviv. “Eu amo esta cidade, somos livres para vivermos como quisermos.” Hedonista, laica e tolerante a Cidade Branca não é somente um jardim do Éden para os homossexuais israelenses, é também o lugar de refúgio dos clandestinos palestinos.

Farid era muito jovem quando colocou seus pés aí pela primeira vez. Ele não teve escolha. “Foi uma questão de sobrevivência.” Com a idade de 11 anos, quando ele vivia com sua família em Hebron, ele foi surpreendido em pleno ato sexual com seu vizinho, com idade de 19 anos. Uma violação? “Não, eu tinha consentido”. Afirma ele. Começa então a descida ao inferno. Por vergonha, sua família o encerra durante vários meses. As raras visitas que ele recebia de seu pai e de seus irmãos são pontuadas de golpes de bastão, de queimaduras e de cortes. Tomado por um instinto de sobrevivência, ele acaba por fugir ao fuim de alguns meses. Direção Israel.

É o início de uma vida clandestina, onde Farid com apenas 12 anos, se deixa apanhar pela crueldade da rua. Ele divide então seu calvário com outros clandestinos palestinos, encontrados nas ocupações. Seus únicos crimes são o de ser árabe e homossexual. “Eles são numerosos e vêm de Naplouse, de Jenine, de todo lugar”. Para sobreviver, o jovem clandestino rouba, se prostitui. Ele cai no álcool, na droga, é violado por diversas vezes. A rua é como um turbilhão que leva inexoravelmente para o fundo. “Eu conheci todas as sujeiras humanas”.

Durante cerca de quinze anos, Farid vai viver como um fugitivo e jogar o esconde-esconde com a polícia israelense. Ele é pego e enviado diversas vezes para a prisão, por penas indo de 3 a 6 meses. “Por vezes, os policiais nos batiam para nos dar lição, para nos fazer compreender que eles não nos queriam aqui. Quando eles souberam que eu era gay, tornou-se pior.” Os serviços de segurança israelense tentam então convencê-lo de espionar por conta de Israel. Farid pensa mas acaba por recusar a ideia. Por diversas vezes, as forças de ordem israelense o reenviam aos Territórios Palestinos, Cada vez, ele retoma a direção de Tel Aviv. Mas em 2001, seis anos após ter fugido de sua cidade natal, a polícia palestina o prende. Aprisionado em Ramallah, sua família recusa de lhe fazer visita e muito rápido ele se torna a presa dos guardas. Por causa de seu look ocidental, acusam-no de ser um espião a soldo de Israel. Os policiais o torturam, o aspergem com produtos ácidos e lhe cortam o rosto. Hoje ainda, seu corpo traz os traços dessas sevícias.

Foi a segunda Intifada que salva Farid de sues carrascos. Em 2002, as forças israelenses penetram em Ramallah e libertam da prisão todos os palestinos que colaboraram com Israel. Com seus cabelos longos e loiros e sua maestria no hebreu aprendida na rua, Farid foi solto por erro. Ele acabava de completar 18 anos.

UMA COMUNIDADE EM PAZ
Hoje, o jovem homem divide um alojamento social com dois russos, em pleno centro de Tel Aviv. Ele deve seu aceno a Aguda, a associação nacional de gays e lésbicas de Israel. A porta de entrada do centro LGBT em Tel Aviv é reconhecível graças a sua “mezuza” (rolo de pergaminho posto no umbral da porta que identifica uma casa judia) nas cores do arco-íris. Israelenses e Palestinos vêm almoçar, participar das atividades culturais ou ainda encontrar um apoio psicológico. Depois de três anos que trabalha voluntariamente no seio da associação, Shaul viu desfilar perto de 800 Palestinos. Hoje, eles seriam perto de 200 em Jaffa, o bairro árabe de Tel Aviv. A maior parte conheceu o mesmo percurso caótico de Farid. Aqueles que aceitam a ajuda da Aguda recebem um documento da associação, que faz ofício de garantia junto às forças de polícia. “Trabalhamos mais ou menos estreitamente com a polícia, explica Shaul. Às vezes, um agente me chama em plena noite e me pede para vir identificar um Palestino para saber se ele está sob nossa proteção. Se ele está, geralmente, a polícia o solta.”

Algumas raras organizações árabes israelenses de defesa dos direitos homossexuais tentam fazer evoluir as mentalidades no seio da sociedade árabe. “Infelizmente, cooperar com eles é impossível, deplora Shaul. Nós somos uma organização judia israelense, então eles nos veem como inimigos.”

Entretanto, os gays formam uma das raras comunidades em que a origem não tem qualquer importância em face da orientação sexual. No seio dessa comunidade, a paz não é só uma ilusão. Ela é real e sincera. Nos clubes e bares gays de Tel Aviv, se cruzam Israelenses judeus e árabes, Palestinos, transexuais, lésbicas... Todos se querem longe do conflito que abala a região depois de mais de sessenta anos. “No interior da comunidade gay, ninguém me trata como um Árabe ou um Palestino, insiste Farid. Aceitam-me tal como eu sou. Mas no exterior, tudo me lembra minhas origens.” Eis por que, o jovem homem cuida de seu look, para não ser reconhecido como Árabe. “Eu me sinto sempre Palestino, mas eu vivo segundo a mentalidade Israelense.” Atormentado por esse problema de identidade, ele afasta toda referência a sua origem palestina. Em Tel Aviv, ele se sente livre. Uma liberdade que tem um preço bem pesado, pois ele sabe que ele não verá jamais sua família.

Os prenomes foram modificados.
TÊTU NOVEMBRE 2011 - Edição impressa
Tradução livre
M. A. B. Zanini

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