União: aprovação de casamento gay na Argentina reacende o debate sobre o direito dos homossexuais no País. Aqui, projetos de lei estão na gaveta
Revista Metropole
Dois homens que vivem juntos há 34 anos formam o primeiro casal gay a se casar na Argentina, no próximo dia 13 de agosto. A cerimônia é fruto de uma vitória dos direitos dos homossexuais no país hermano, o primeiro da América Latina e o décimo do mundo a legalizar a união de pessoas do mesmo sexo. A lei aprovada pelo Congresso vai alterar o código civil mudando as denominações “marido e mulher” por “contraentes” ou “cônjuges”, o que regulamentará questões patrimoniais, benefícios sociais e a adoção de filhos.
A aprovação reacendeu o debate sobre o tema no Brasil, onde o primeiro projeto de lei que prevê a união civil homossexual jamais foi desencalhado da gaveta em que mofa desde 1995, nos arquivos do Congresso Nacional. Com o tema fora da pauta política, os casais que desejam regularizar sua situação preci sam recorrer à Justiça que, a despeito de demoras e inconstâncias, têm assegurado avanços. O advogado Paulo Mariante (foto), coordenador de Direitos Humanos do Identidade, Grupo de Luta pela Diversidade Sexual, falou à Metrópole sobre o assunto.
Metrópole – Legalmente, quais seriam as principais as diferenças entre casamento e união civil para os homossexuais?
Paulo Mariante – As legislações variam muito de um país para outro, mas o mais importante é que no casamento existe a mudança do estado civil da pessoa. Há questões jurídicas importantes nisso. Se alguém é casado e não separado legalmente, não pode ter reconhecida uma união civil, por exemplo. Outro debate, mais complexo e polêmico, é no âmbito do Direito de Família. Alguns fazem a defesa de que o casamento é que constitui a unidade familiar, mas essa é uma posição muito conservadora, pois a própria Constituição reconhece que a família pode ser form ada apenas por pai ou mãe, e os filhos. Hoje, no Direito, a união civil, a união estável e o casamento tiveram reduzidas, e muito, suas diferenciações. Não quero entrar em juízo pessoal de valor sobre a instituição, embora eu não ache que essa seja a realização máxima, mas me parece que é fundamental, do ponto de vista dos direitos humanos, a possibilidade de que os parceiros do mesmo sexo possam ter reconhecido seu casamento. Pela equidade.
Adotar o sobrenome do parceiro seria uma diferenciação do casamento?
É outro ponto, sim. É facultado no casamento e, na união estável, não. Mas por mim, mesmo que fosse por mera simbologia, valeria lutar por esse direito. Porque quando alguém tem um direito a menos, sem nenhuma justificativa, está sendo tratado como um ser inferior, e isso é errado num estado democrático.
Que projetos tramitam no Brasil para regulamentar essas questões?
< br />Nós temos projetos de lei no Congresso Nacional para união civil ou união estável. O primeiro projeto, PL 1151/1995, que instituía a união civil, é consenso que está ultrapassado. Em função disso, houve um esforço do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) para debater uma alternativa. Disso saiu um novo projeto (PL 4914/2009), algo mais simples, que propõe alterar o Código Civil para estender, às pessoas do mesmo sexo, os efeitos da união estável, consolidada pela Constituição de 1988 e duas leis posteriores. Diz que tudo o que vale para casais heterossexuais passaria a valer para os homossexuais.
Há um projeto de lei (7018/2010) tramitando na Câmara Federal que pretende acrescentar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a proibição explícita à adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo. É sempre um passo pra frente e um pra trás?
Olha, possivelmente, se esse PL avançasse, o q ue eu espero que não aconteça, ele seria questionável quanto à constitucionalidade . A Constituição afirma a criança e o adolescente têm que estar a salvo de qualquer forma de discriminação. Se é assim, um projeto que proíbe de forma expressa a adoção por pessoas homossexuais é absolutamente inconstitucional. Ofende um princípio da dignidade humana. Mas é sinal da disputa política entre quem defende os direitos humanos e, portanto, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, e os opositores, que são, basicamente, os conservadores e fundamentalistas religiosos.
A aprovação do casamento gay na Argentina, outro país sul-americano, de mentalidade conservadora, é algo promissor para os homossexuais brasileiros?
Uma reflexão é que a composição política do congresso argentino tem menor peso do fundamentalismo religioso, do conservadorismo, do que no Brasil. Por aqui, houve crescimento dessas bancadas, em todas as esferas legislativas. Que serão sempre opositoras aos nossos direitos, não dá para ter ilusões a esse respeito. Mas eu não gosto dessa linha da lamúria e do chororô. É preciso analisar politicamente. O divórcio foi aprovado em 1977 e estava sendo proposto desde 1951! Essa é a nossa história. Nós não tivemos nenhum avanço no reconhecimento do direito ao aborto, por exemplo. O movimento GLBT tem adotado uma postura mais de conciliação, mas eu, como militante, creio que em algumas situações temos que botar a boca no mundo de uma forma mais contundente. Peço que se reflita sobre o que tem faltado de ação política de nossa parte para pressionar o Congresso a aprovar nossos direitos.
Uma bancada gay seria a saída?
Eu não quero adotar uma postura preconceituosa de pensar que um heterossexual não possa nos representar. Acho que o fundamental é eleger bancadas comprometidas com os nossos direitos, não uma bancada gay. Vou ser obrigado a citar o Clodovil, que era um homossexual assumido e nas poucas vezes em que se pronunciou prestou um desserviço. Nessas eleições, a grande preocupação que a população GLBT tem que ter é, na hora do voto, saber qual o compromisso efetivo que o candidato tem com nossos direitos. E isso tem que ser com uma plataforma por escrito: união civil/estável, mesmo o casamento, uma legislação que puna a discriminação.
Hoje, no Brasil, quais os direitos dos casais do mesmo sexo?
Não há legislação, o que não tem impedido que na Justiça se tenha conseguido nos últimos dez anos muitas vitórias, como na adoção por casais homossexuais. Há, por exemplo, uma instrução normativa do INSS reconhecendo a inscrição do parceiro ou parceira como dependente, graças a uma ação civil pública do Ministério Público Federal que obteve uma decisão favorável em 2000. Nos planos de saúde, já há decisões de tribunais re gionais federais, ou seja, segunda instância. Tem gente que tem inclusive conseguido diretamente, sem ação judicial. No aspecto patrimonial, está próximo um consenso na Justiça de que os bens construídos por duas pessoas do mesmo sexo têm que ser compartilhados. O quadro, portanto, é de que há decisões judiciais que reconhecem alguns dos direitos, mas não há uma garantia de fato naquilo que nós chamamos de marco legal, ordenamento jurídico.
O que você recomenda para um casal que deseje se cercar legalmente para ter sua união reconhecida?
Uma forma são documentos jurídicos registrados em cartório, que chamamos de declaração de vontade. Têm certo valor, mas não é absoluto. Há ainda a possibilidade de entrar com uma ação declaratória na Justiça, para que seja reconhecida a validade jurídica daquela união, o que eu penso que já seria meio caminho andado para todas as outras questões. É um procedimento que pode ter o alcance mais amplo, entre todos os instrumentos que temos hoje.
A aprovação reacendeu o debate sobre o tema no Brasil, onde o primeiro projeto de lei que prevê a união civil homossexual jamais foi desencalhado da gaveta em que mofa desde 1995, nos arquivos do Congresso Nacional. Com o tema fora da pauta política, os casais que desejam regularizar sua situação preci sam recorrer à Justiça que, a despeito de demoras e inconstâncias, têm assegurado avanços. O advogado Paulo Mariante (foto), coordenador de Direitos Humanos do Identidade, Grupo de Luta pela Diversidade Sexual, falou à Metrópole sobre o assunto.
Metrópole – Legalmente, quais seriam as principais as diferenças entre casamento e união civil para os homossexuais?
Paulo Mariante – As legislações variam muito de um país para outro, mas o mais importante é que no casamento existe a mudança do estado civil da pessoa. Há questões jurídicas importantes nisso. Se alguém é casado e não separado legalmente, não pode ter reconhecida uma união civil, por exemplo. Outro debate, mais complexo e polêmico, é no âmbito do Direito de Família. Alguns fazem a defesa de que o casamento é que constitui a unidade familiar, mas essa é uma posição muito conservadora, pois a própria Constituição reconhece que a família pode ser form ada apenas por pai ou mãe, e os filhos. Hoje, no Direito, a união civil, a união estável e o casamento tiveram reduzidas, e muito, suas diferenciações. Não quero entrar em juízo pessoal de valor sobre a instituição, embora eu não ache que essa seja a realização máxima, mas me parece que é fundamental, do ponto de vista dos direitos humanos, a possibilidade de que os parceiros do mesmo sexo possam ter reconhecido seu casamento. Pela equidade.
Adotar o sobrenome do parceiro seria uma diferenciação do casamento?
É outro ponto, sim. É facultado no casamento e, na união estável, não. Mas por mim, mesmo que fosse por mera simbologia, valeria lutar por esse direito. Porque quando alguém tem um direito a menos, sem nenhuma justificativa, está sendo tratado como um ser inferior, e isso é errado num estado democrático.
Que projetos tramitam no Brasil para regulamentar essas questões?
< br />Nós temos projetos de lei no Congresso Nacional para união civil ou união estável. O primeiro projeto, PL 1151/1995, que instituía a união civil, é consenso que está ultrapassado. Em função disso, houve um esforço do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) para debater uma alternativa. Disso saiu um novo projeto (PL 4914/2009), algo mais simples, que propõe alterar o Código Civil para estender, às pessoas do mesmo sexo, os efeitos da união estável, consolidada pela Constituição de 1988 e duas leis posteriores. Diz que tudo o que vale para casais heterossexuais passaria a valer para os homossexuais.
Há um projeto de lei (7018/2010) tramitando na Câmara Federal que pretende acrescentar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a proibição explícita à adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo. É sempre um passo pra frente e um pra trás?
Olha, possivelmente, se esse PL avançasse, o q ue eu espero que não aconteça, ele seria questionável quanto à constitucionalidade . A Constituição afirma a criança e o adolescente têm que estar a salvo de qualquer forma de discriminação. Se é assim, um projeto que proíbe de forma expressa a adoção por pessoas homossexuais é absolutamente inconstitucional. Ofende um princípio da dignidade humana. Mas é sinal da disputa política entre quem defende os direitos humanos e, portanto, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, e os opositores, que são, basicamente, os conservadores e fundamentalistas religiosos.
A aprovação do casamento gay na Argentina, outro país sul-americano, de mentalidade conservadora, é algo promissor para os homossexuais brasileiros?
Uma reflexão é que a composição política do congresso argentino tem menor peso do fundamentalismo religioso, do conservadorismo, do que no Brasil. Por aqui, houve crescimento dessas bancadas, em todas as esferas legislativas. Que serão sempre opositoras aos nossos direitos, não dá para ter ilusões a esse respeito. Mas eu não gosto dessa linha da lamúria e do chororô. É preciso analisar politicamente. O divórcio foi aprovado em 1977 e estava sendo proposto desde 1951! Essa é a nossa história. Nós não tivemos nenhum avanço no reconhecimento do direito ao aborto, por exemplo. O movimento GLBT tem adotado uma postura mais de conciliação, mas eu, como militante, creio que em algumas situações temos que botar a boca no mundo de uma forma mais contundente. Peço que se reflita sobre o que tem faltado de ação política de nossa parte para pressionar o Congresso a aprovar nossos direitos.
Uma bancada gay seria a saída?
Eu não quero adotar uma postura preconceituosa de pensar que um heterossexual não possa nos representar. Acho que o fundamental é eleger bancadas comprometidas com os nossos direitos, não uma bancada gay. Vou ser obrigado a citar o Clodovil, que era um homossexual assumido e nas poucas vezes em que se pronunciou prestou um desserviço. Nessas eleições, a grande preocupação que a população GLBT tem que ter é, na hora do voto, saber qual o compromisso efetivo que o candidato tem com nossos direitos. E isso tem que ser com uma plataforma por escrito: união civil/estável, mesmo o casamento, uma legislação que puna a discriminação.
Hoje, no Brasil, quais os direitos dos casais do mesmo sexo?
Não há legislação, o que não tem impedido que na Justiça se tenha conseguido nos últimos dez anos muitas vitórias, como na adoção por casais homossexuais. Há, por exemplo, uma instrução normativa do INSS reconhecendo a inscrição do parceiro ou parceira como dependente, graças a uma ação civil pública do Ministério Público Federal que obteve uma decisão favorável em 2000. Nos planos de saúde, já há decisões de tribunais re gionais federais, ou seja, segunda instância. Tem gente que tem inclusive conseguido diretamente, sem ação judicial. No aspecto patrimonial, está próximo um consenso na Justiça de que os bens construídos por duas pessoas do mesmo sexo têm que ser compartilhados. O quadro, portanto, é de que há decisões judiciais que reconhecem alguns dos direitos, mas não há uma garantia de fato naquilo que nós chamamos de marco legal, ordenamento jurídico.
O que você recomenda para um casal que deseje se cercar legalmente para ter sua união reconhecida?
Uma forma são documentos jurídicos registrados em cartório, que chamamos de declaração de vontade. Têm certo valor, mas não é absoluto. Há ainda a possibilidade de entrar com uma ação declaratória na Justiça, para que seja reconhecida a validade jurídica daquela união, o que eu penso que já seria meio caminho andado para todas as outras questões. É um procedimento que pode ter o alcance mais amplo, entre todos os instrumentos que temos hoje.
0 comentários:
Postar um comentário