Já estava resignado de que o Brasil não conhecerá mudanças no seu modelo de desenvolvimento nos próximos quatro anos tendo em vista o leque de opções de candidaturas com chances reais que temos em mãos. Ganhe quem ganhar, a busca pelo progresso custe a quem custar vai continuar sendo a tônica no país. Afinal de contas, nenhum dos candidatos topará comprar uma briga para tentar civilizar práticas do mercado e do agronegócio que, hoje, tornam a vida de um número não desprezível de povos e trabalhadores no campo um inferno. Pelo contrário, se seguirem a toada de hoje, vão fechar os olhos se isso gerar resultados econômicos no curto prazo. Laissez faire, laissez aller, laissez passer!
O liberalismo econômico não vem necessariamente acompanhado de um liberalismo comportamental. Se viesse, pelo menos seria um prêmio de consolação diante da barbárie do “salve-se quem puder”. Na prática, coloca-se abaixo qualquer regra que pode fazer com que a economia não vá tão rápido quanto possível (Abaixo o Código Florestal! Viva o celacanto que provoca maremoto!), mas se mantém todas as normas bizantinas de convivência. O dinheiro é livre, as pessoas, não.
Estou acompanhando, mesmo de longe, as entrevistas com os candidatos à presidência pela TV Brasil. Como gostaria que um(a) deles(as) tivesse a coragem de vir a público e defender, sem meias palavras, sem legalismos, sem se esconder atrás de rodeios linguísticos, que defende o direito das pessoas de serem elas mesmas e de poderem usufruir da liberdade de decidir a própria vida. Sobre o casamento gay, Serra disse que o Estado não tem que mexer nessa área, Dilma disse que apóia a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas nada de falarem de matrimônio legal, como na avançada Argentina aí do lado.
Esse é o problema de guiar uma campanha por pesquisas de opinião e não por um conjunto de propostas programáticas. Verifica-se qual a posição da maioria e ripa na chulipa. São feitas rodadas de discussão qualitativas para buscar as características do candidato ideal, semelhante àquelas dos consumidores que são chamados para discutir o iogurte, a TV de plasma ou a pasta de dente perfeitos. A diferença é que o que estão em jogo são cargos públicos e não a venda de um produto. Ou não. No meio do caminho, rifa-se a possibilidade das minorias terem seus direitos respeitados.
Em 2007, uma pesquisa Datafolha apontou que 55% dos brasileiros defendiam a adoção da pena de morte, 57% eram contra a eutanásia (o direito do paciente terminal de pôr fim à sua própria vida), 65% defendiam que a lei do aborto não fosse ampliada para além dos casos de estupro e risco para a mãe, 49% rejeitavam a união civil homossexual (ou seja, a maioria, uma vez que 42% eram a favor) e 52% eram contrários à adoção de filhos por casais do mesmo sexo. Junte a isso que a maioria da população defende a posse de armas de fogo (taí o resultado do plebiscito do desarmamento para não me deixar mentir), o apoio à redução da maioridade penal, à prisão perpétua, à manutenção do uso de drogas como delito e por aí vai
Também há três anos, uma pesquisa encomendada pela revista Veja à CNT/Sensus mostrou que 84% dos brasileiros votariam em um negro para presidente da República, 57% dariam o voto a uma mulher, 32% aceitariam votar em um homossexual e 13% votariam em um candidato ateu.
Parece que, para ser candidato nesta eleição, é necessário se despir de qualquer opinião própria e desistir de ser si mesmo para seguir um gabarito a fim de que a maioria dos eleitores se reconheça nele e dê seu voto. Mas é isso o que se espera de um bom candidato, que seja alguém à minha imagem e semelhança e não uma liderança política que possa governar o país? Devo dar meu voto a alguém que pense exatamente como eu ou que possa levar o país a um novo patamar de civilidade e de qualidade de vida para todos? O que é democracia? Um governo totalitário da maioria ou um governo da maioria em que as minorias são respeitadas?
Um pouco de educação para a política e para a tolerância não faria mal a ninguém.
Em uma guerra, a verdade é a primeira vítima. A frase, que virou história e é citada ad nauseam em faculdades de jornalismo, foi dita originalmente pelo senador norte-americano Hiram Johnson em 1917. Ela serve, como uma luva, para a guerra pelo voto. Até porque não acredito que essas posições conservadoras dos candidatos prevaleçam. Teremos que esperar 2011 para saber se vão apoiar o direito ao aborto ou mesmo o casamento gay ou darão as costas para políticas de efetivação dos direitos humanos. O eleitor reclamará que foi enganado mas, no fundo, ele também foi cúmplice nesse teatro.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Escreve de Medellín, Colômbia.
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