Segundo notícia publicada ontem pelo portal de notícias R7, gays impedidos de doar sangue podem exigir o direito na Justiça.
Por cinco anos, o publicitário paulistano Marcelo (nome fictício), de 24 anos, doou sangue uma vez por semestre. Mas há um ano ele teve de abandonar a prática. Foi nesse tempo que Marcelo deixou de namorar mulheres e passou a se relacionar com homens.
– Eu poderia até mentir na hora de preencher o formulário, já que ninguém vai verificar isso. Mas essa não é uma atitude correta. É uma pena porque era algo que gostava de fazer e achava até divertido.
No Brasil, por normas do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), homens que fazem sexo com outros homens (grupo conhecido por HSH) são impedidos de doar sangue por um período de 12 meses após a última relação sexual. De acordo com o governo, não há restrições a gays doarem sangue, mas sim aos HSH (veja mais aqui).
– Eu poderia até mentir na hora de preencher o formulário, já que ninguém vai verificar isso. Mas essa não é uma atitude correta. É uma pena porque era algo que gostava de fazer e achava até divertido.
No Brasil, por normas do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), homens que fazem sexo com outros homens (grupo conhecido por HSH) são impedidos de doar sangue por um período de 12 meses após a última relação sexual. De acordo com o governo, não há restrições a gays doarem sangue, mas sim aos HSH (veja mais aqui).
Uma consulta pública sobre as novas regras para a doação terminou nesta segunda-feira (2). Para aumentar os estoques dos hemocentros, o ministério pretende incluir como possíveis doadores os jovens de 16 e 17 anos (mediante autorização dos pais) e os idosos entre 65 e 68 anos.
No entanto, existe uma série de proibições que o governo deve manter – e até ampliar –, como a que impede Marcelo de continuar indo aos hemocentros duas vezes por ano.
De acordo com o advogado Gustavo Bernardes, coordenador geral da organização Somos, os homens que estão na mesma situação de Marcelo devem levar essa “discriminação oficial” ao Ministério Público com o objetivo de questionar essa proibição.
- Isso é uma homofobia oficial. Em alguns Estados, o Ministério Público já entrou com ação contra a restrição. As pessoas precisam levar ao conhecimento do MP, porque [o veto] não se justifica mais do ponto de vista científico, e tem caráter moralista.
Esse é o mesmo caminho sugerido por Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
- Qualquer pessoa que se sinta lesada ou prejudicada deve procurar seus direitos, seja junto ao Ministério Público, na Justiça ou qualquer outro órgão apropriado de defesa dos direitos.
A atitude de recorrer à Justiça, no entanto, terá mais efeito se for realizada por meio de ações coletivas, e não somente por ações isoladas. Essa é a opinião da advogada Patrícia Rios, do Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro e do de Niterói.
- As questões coletivas, maiores, têm muito mais efeito que as ações individuais. Devemos tentar desconsiderar essa norma enquanto sociedade civil organizada. Temos que procurar o Ministério Público para desconstruir [esse veto] em conjunto. A constituição não permite discriminação em nenhuma forma.
Proibição contradiz políticas de combate ao preconceito
Marcelo diz que nunca teve uma relação homossexual sem camisinha, postura que não adotava de modo tão enfático quando se relacionava com mulheres.
– Eu tenho consciência de que o sexo anal traz mais riscos de infecção, então passei a me proteger mais do que antes. Com algumas mulheres eu cheguei a transar sem camisinha, dependendo da intimidade, mas com homens, não.
O publicitário conta que se sente injustiçado pelo fato de não poder mais doar sangue, apesar de, segundo ele, ter um comportamento sexual mais seguro do que a maior parte dos seus amigos heterossexuais.
É por atitudes como a de Marcelo que a epidemia da Aids mudou o perfil que apresentava nos anos 80 e deixou de afetar somente os homossexuais. Atualmente não existem mais grupos de risco na prevenção à doença, diz Bernardes.
- Todos nós corremos risco de nos infectarmos. A Aids está disseminada em toda a população.
Prova disso é que, no Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que, há mais de uma década, são identificados mais casos de Aids entre os homens heterossexuais do que entre os homossexuais e bissexuais juntos (veja no gráfico clicando aqui).
Diante da mudança no perfil da doença, Patrícia afirma que proibir os gays de doar sangue é um retrocesso, já que terão que continuar lidando com o estigma da Aids.
- Estamos retornando e reafirmando preconceitos históricos.
No entanto, mesmo com essa alteração epidemiológica, a Aids continua sendo uma doença com maior prevalência entre os HSH.
Pesquisa realizada pelo Departamento de DST/Aids em dez cidades brasileiras mostrou que a prevalência do HIV nesse grupo (entre os homens com mais de 18 anos) foi estimada em 10,5%. Já na população masculina em geral, de 15 a 49 anos, a estimativa é de 0,8%.
Revisão da norma
Durante a Conferência Internacional da ONU sobre Aids, realizada no mês de julho em Viena (Áustria), um dos maiores pesquisadores sobre o assunto no mundo, o canadense Mark Wainberg, criticou o fato de, em 2010, vários países ainda manterem o veto baseado em conceitos do início da década de 80.
Para o médico infectologista Esper Kallás, da USP (Universidade de São Paulo), isso indica que a regra deveria ser revista e que cada caso seja avaliado individualmente. A vulnerabilidade de um indivíduo à doença é definida por fatores como o número de parceiros sexuais, o uso de preservativos e histórico de infecções por outras DSTs, diz o especialista.
– Você tem casos de casais gays que são estáveis e têm um risco de exposição muito baixa ao vírus, enquanto heterossexuais adotam comportamentos de risco e correm um risco altíssimo. Por isso, uma regra horizontal que proíbe todos os homens que fazem sexo com outros homens de doar sangue deveria ser revista. A análise deve ser individual.
Apesar disso, a ABHH (Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia) apoia a atitude do ministério de manter a proibição nas novas regras sobre o assunto. O hematologista João Carlos Pina Saraiva, diretor de comunicação da associação, diz que os dados sobre a doença ainda não permitem acabar com a proibição.
– Nós ainda não temos dados epidemiológicos consistentes que neguem a proibição. Essa instrução não tem cunho preconceituoso e é uma opção que tem de ser respeitada. O que todos pretendemos é preservar a qualidade do sangue, o que passa por analisar as evidências. Não podemos fugir delas.
Se a regra for mantida, Gustavo Menezes, do Cads, espera que os motivos da proibição fiquem bem claros para a sociedade.
- Se ela for mantida, é preciso saber o porquê, quais as razões que a justificam. Que os gestores de saúde se manifestem, porque não dá mais pra ficar na suposição.
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