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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

[Entrevista] Escolas banalizam atos de homofobia, avalia educador

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Ana Cláudia Barros
Terra Magazine

Sequência de suicídios de adolescentes homossexuais nos EUA motivou a participação do presidente Barack Obama em campanha de combate ao bullying(Foto:AP)

A sequência de suicídios de adolescentes homossexuais nos EUA, que motivou a participação do presidente Barack Obama em uma campanha de combate ao bullying - termo em inglês usado para descrever agressões físicas ou psicológicas, ocorridas reiteradamente, sem motivação aparente - contra jovens gays, levanta o debate sobre a homofobia nas escolas.

Para aferir o problema na realidade brasileira, um estudo qualitativo foi desenvolvido no ano passado, em instituições de ensino das redes municipal e estadual de 11 capitais, localizadas nas cinco regiões. Os resultados da pesquisa, iniciativa de organizações não governamentais (ONGs) com o apoio do Ministério da Educação, serão apresentados nesta terça-feira (26), em São Paulo.

O trabalho faz parte do projeto Escola sem homofobia e tem, entre suas propostas, contribuir para a implementação do Programa Gênero e Diversidade Sexual nos colégios, conhecendo a percepção de alunos e professores a respeito da discriminação de homossexuais no âmbito escolar.

Coordenador do Corsa, entidade de defesa dos direitos de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e mestre em educação, Lula Ramires, que atuou no processo de coleta de dados durante a pesquisa, afirma que as instituições de ensino, em geral, não estão preparadas para lidar com a diversidade sexual. Segundo ele, predomina uma visão conservadora, que pouco retrata as transformações sociais ocorridas nos últimos anos.

Lula ressalta ainda que é comum ver atos de preconceito contra homossexuais são banalizados.

- Como educador, como pesquisador, como militante que trabalha nessa área, o que eu vejo é que a homofobia ainda não é percebida como um problema. Então, quando alguém faz uma piadinha, uma chacota, dá um empurrão é considerado como uma brincadeira.

Confira a entrevista.

Terra Magazine - Recentemente, houve uma série de suicídios de adolescentes homossexuais, vítimas de bullying, nos Estados Unidos. Como é a realidade brasileira em relação a esse problema?
 

Lula Ramires - Nós, do Corsa, nunca recebemos nenhum pedido de ajuda de alguém que estivesse em processo de cometer suicídio. Acompanhei alguns poucos casos pela internet. Nos EUA, há pesquisas que mostram que as tentativas de suicídio entre jovens LGBT são de quatro a cinco vezes maiores do que entre adolescentes heterossexuais. As pessoas falavam: "Ah, no Brasil deve ser a mesma coisa". Não estou dizendo que não seja. Mas temos alguns fatores culturais no Brasil que fazem com que o suicídio não seja uma coisa tão comum.

Mas a homofobia é um problema presente no ambiente escolar brasileiro?
Como educador, como pesquisador, como militante que trabalha nessa área, o que eu vejo é que a homofobia ainda não é percebida como um problema. Então, quando alguém faz uma piadinha, uma chacota, dá um empurrão é considerado como uma brincadeira.

Quando você fala que a homofobia não é percebida como um problema, está se referindo à postura dos educadores em relação à questão?

Eu diria pela sociedade em geral e, consequentemente, pelos educadores.

Então, na sua opinião há uma permissividade em relação à homofobia?
Exatamente. Mas antes de a escola ser homofóbica, ela é heteronormativa. O que eu quero dizer com isso? O padrão, o modelo com o qual a escola trabalha o tempo inteiro é o da relação heterossexual convencional. A família que eu chamo de "Doriana". O pai de paletó, gravata, que acorda sorridente e a mãe serve o café, o suco de laranja, vem o cachorro, as crianças. No fundo, a escola ainda trabalha muito com essa imagem.

Quem foge desse padrão...

Quem foge desse padrão se sente inferior e é cobrado, o tempo inteiro, por não seguí-lo. Mesmo que hoje as pesquisas mostrem que um terço das famílias não cumprem esse modelo. São avós que criam netos, padrinhos que criam afilhados, casais do mesmo sexo... Ou seja, você tem uma multidão que não está dentro desse padrão familiar.

A gente está vendo agora, na campanha eleitoral, a existência de um modelo, que é muito forte, ainda que na prática não seja cumprido. Para mim, o maior problema da escola hoje é ainda trabalhar com um modelo que está em erosão. Não é um modelo que eu possa dizer que não vigora mais, porque seria tolice da minha parte dizer isso. Esse questionamento, que é anterior a você pensar a questão da diversidade sexual, a escola não faz.

Para você, há um certo despreparo dos professores para lidar com a questão da diversidade sexual?

A grande maioria diz que não teve essa discussão na faculdade, ou seja, na sua formação inicial. Então, temos essa lacuna. Fazer essa discussão sobre as relações de gênero é algo que passou muito longe do currículo deles. Essa é uma primeira questão.

Em segundo lugar, temos sempre que lembrar que os professores de hoje são de uma geração anterior a de seus alunos, mas também são professores que estão vivenciando uma transformação social, que vivem sob a influência da revolução sexual dos anos 60.

Há uma série de transformações que vão acontecendo, mas que vão chegando à escola muito lentamente. A escola tem um conservadorismo no sentido sociológico da palavra. Ela tem como função manter a ordem. Em muito poucos casos, questiona essa ordem, transforma essa ordem. Isso não quer dizer que a escola não tenha, em alguns aspectos, um lado crítico, de tentar buscar outras possibilidades. O problema da escola é que ela tem sido refratária às mundaças, quando deveria ser, não a propulsora, mas questionadora. "Isso que está aqui é bom ou deve ser mudado?"

Você diz que a escola é um ambiente conservador...

A escola, na minha opinião, é um campo de muito conservadorismo, mas há também o lado da resistência, da inovação.

No caso da diversidade sexual, uma postura mais conservadora da escola implica em quais conseqüências?

Quando você pensa do ponto de vista da homofobia, uma escola que se mantém presa à visão rígida do que é masculino e do que é feminino necessariamente vai encarar quem desvia desse modelo como alguém transgressor. Isso é uma coisa que as crianças, desde pequenas, vão pegar no ar. Quando dois meninos, de 5, 6 anos, se desentendem por causa de um brinquedo e um deles chama o outro de mulherzinha, o que um está dizendo para o outro? Há a ideia de que acusar o outro de mulher é uma ofensa, é demérito.

Um adulto conservador vai rir, não vai questionar. É isso que estou te falando. Essa visão conservadora de masculino e de feminino, que cria dois universos incomunicáveis... Se eu não jogo futebol, não pratico esportes violentos, se eu gosto de artes, literatura não sou tão homem quanto alguém que gosta de musculação, que é considerado o garanhão. São os estereótipos que têm um poder muito forte.

Como, em geral, manifesta-se o bullying contra adolescentes homossexuais nas escolas brasileiras?

O que eu sinto que ainda acontece é um bullying muito marcado pela cobrança de uma masculinidade mais agressiva. Então, o menino que não se comporta dessa maneira é taxado de "viadinho, boiola, gayzinho".

Isso é frequente nas nossas escolas?

Com certeza. Por outro lado, o que tenho visto, com base na minha experiência como militante e acadêmico, é que as pessoas que se assumem ganham uma respeitabilidade. Na minha pesquisa de mestrado, entrevistei oito adolescentes. Um dos meninos, num determinado momento, durante uma aula de ciências sobre sexualidade, ele resolveu assumir que era gay.

Isso se espalhou pela escola. Ele contou que, quando passava pelo pátio, um grupo de meninos o chamou e perguntou se era verdade. E os meninos falaram: "Pô, cara, você é muito macho por ter assumido". Acho essa fala sintomática, porque ela valoriza as pessoas que são autênticas, mas, ao mesmo tempo, dizer "você é macho", cobra uma das coisas da masculinidade, que é ser valente.
Essa é ambiguidade que estamos vivendo hoje. Nas nossas escolas, estamos vivendo um momento em que isso está se tornando uma coisa tranquila. Alguém diz que é gay, lésbica... Bacana, com tanto que não venha dar cantada, não ultrapasse as fronteiras. É uma aceitação que poderíamos chamar de "antisséptica". Eu aceito, mas passa alcóol gel antes de chegar perto de mim.

Mesmo com todo conservadorismo, para você, a sociedade brasileira aceita mais a diversidade sexual do que a norte-americana, por exemplo, onde o bullying é tão violento que leva ao suicídio?

Não sei. Se você comparar com 10, 20 anos atrás, a situação está melhor. Conseguimos conquistas no sentido da valorização da diversidade, mas, no campo da individualidade, tentamos controlar o outro para que ele seja igual a nós mesmos. Para uma parcela da sociedade, que não é tão pequena quanto a gente gostaria, os homossexuais não merecem nem existir. Quando você pensa nos assassinatos de homossexuais, travestis, crimes com requintes de crueldade... Uma coisa é eu brigar com você e você me dá um tiro e, por um acaso, eu sou gay. Outra coisa é, porque sou gay, você me dá 50 facadas, arranca meus olhos, me degola, ou seja, produz uma morte violenta e humilhante.
Isso é bastante comum. Temos entre 150 e 200 assassinatos desse tipo por ano no Brasil. Não é brincadeira. É estarrecedor. Muitas vezes, as pessoas não percebem a correlação entre uma piadinha e um assassinato de homossexual. Um alimenta o outro. A matéria prima é a mesma, não aceitar e não respeitar aquele que é diferente de mim.

Fala um pouco sobre a pesquisa "Escola sem homofobia", da qual você fez parte.

Os resultados serão divulgados nesta terça. Eu participei da coleta de dados em São Paulo. O projeto previa elaboração de material para escolas, capacitações e pesquisa qualitativa. Começou no início de 2009 e teve participação das ONGs, Reprolatina, Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e transexuais, da Pathfinder do Brasil... Foi financiada e supervisionada pelo MEC.

Em linhas gerais, o que foi apreendido a partir do estudo?

A escola liga no piloto automático e nem imagina ou supõe que vai haver algum aluno ou professor ou algum funcionário que não seja heterossexual. Quando essas coisas vem à tona, muitas vezes, são motivos de chacota e de agressão. Em alguns casos, há escolas que não admitem esse tipo de violência. Outras fecham os olhos e dizem:"Isso não é comigo."

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