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quinta-feira, 3 de março de 2011

Quer ganhar uma eleição?

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Então nunca defenda a descriminalização da maconha ou do aborto nem se declare ateu ou umbandista

Por Cynara Menezes 

Gay assumido, o candidato a deputado federal pelo PV do Distrito Federal Júlio Cardia fez uma campanha pró-LGBT em 2010. Não foi eleito.


O pesadelo do eleitor brasileiro é um candidato, homem ou mulher, que se declare a favor da legalização do aborto e da maconha, que diga não acreditar em Deus ou que professe religiões afro-brasileiras. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc, divulgada com exclusividade por CartaCapital, aponta para um perfil assustadoramente conservador do eleitorado, que se reflete sobretudo na corrida pelos cargos majoritários. A guinada conservadora de José Serra na última campanha teve seu cálculo: está comprovado que ser progressista, em termos morais, tira votos.

A pesquisa foi feita em agosto do ano passado, antes da disputa pela Presidência. Foram ouvidos 3.546 eleitores de ambos os sexos em todo o País. O lado bom da história foi descobrir que nos últimos dez anos aumentou o interesse das mulheres pela política e que passou a ser considerado importante que existam mais representantes do sexo feminino em cargos públicos – está aí a presidenta Dilma Rousseff para confirmar. Também se viu que, para o eleitor atual, praticamente não existe diferença no fato de o candidato ser homem ou mulher. E até que seja gay, desde que não defenda a união civil entre homossexuais, razão de rejeição de um candidato por 43% do eleitorado. A maioria (52%), respondeu que sim, poderia votar em um político com essa bandeira.

Eleito deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro com pouco mais de 13 mil votos, Jean Wyllys se espanta com o resultado da pesquisa: “O bicho-papão dos eleitores sou eu”. Militante dos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), defensor da descriminalização da maconha e do aborto e praticante do candomblé, mesmo tendo se tornado bastante conhecido no País ao vencer uma edição do reality show Big Brother, Wyllys só chegou ao Congresso graças ao desempenho de seu companheiro de partido, Chico Alencar, que recebeu 240 mil votos na disputa e foi o segundo mais votado no estado.

Com a senadora petista Marta Suplicy, Wyllys reúne assinaturas para compor a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. O tabu é tal em torno do assunto que até agora ele só conseguiu 78 das 171 assinaturas necessárias para a criação da frente. E, mesmo assim, porque firmou o compromisso de não divulgar os nomes dos deputados, para não “contrariar as bases”. Sabe-se que tem gente do PT, do PMDB, do PSOL, do PPS, do PSDB e até do DEM, mas muitas vezes a questão religiosa supera a partidária. A petista Benedita da Silva, por exemplo, recusou-se a se unir ao grupo por ser evangélica.

No fim de janeiro, o portal de notícias G1 ouviu 414 dos 513 deputados para saber sobre sua opção religiosa. Quase 75% se disseram católicos, ou 309 parlamentares, enquanto 43 (10,4%) se declararam evangélicos, e 8 (1,93%) espíritas. Os possíveis praticantes de religiões afro-brasileiras – umbanda e candomblé – e os ateus ficaram ocultos entre os 41 parlamentares abrigados sob a nomenclatura “nenhuma religião, outras ou não respondeu”. Entre os deputados e senadores, existem pastores evangélicos e já houve ex-sacerdotes católicos. Nunca apareceu, porém, nenhum pai de santo.

“Muitos aqui devem praticar o candomblé ou a umbanda às escondidas, assim como devem ter levado companheiras para praticar o aborto às escondidas. Não têm coragem de vir a público nem para se dizerem praticantes de ritos afro-brasileiros nem para se manifestarem a favor da descriminalização do aborto. O mesmo ocorre com o eleitorado”, opina Wyllys.

Segundo o professor de Ciência Política da USP Gustavo Venturi, que coordenou a pesquisa, a discriminação das religiões de matriz africana já é velha conhecida no Brasil, principalmente pela demonização dos ritos feita por parte dos neopentecostais. O que não se sabia era como atingia o eleitor na hora de votar. “A pesquisa mostra que ainda existe um conservadorismo grande em termos de valores morais e comportamentais”, avalia Venturi. “São questões que não mudam mesmo com a inclusão no mercado de consumo das classes mais populares, porque são de maturação lenta.”

Um político, diz o pesquisador, que se apresentasse na campanha abertamente como praticante do candomblé e simpático à ideia de descriminalizar as drogas e o aborto, neste momento, jamais seria eleito para um cargo majoritário no Brasil. “Com a eleição em dois turnos, ter posições controversas deixa um candidato ainda mais longe da vitória.”

A solução estaria em promover discussões públicas. “Para chegar a uma liberalidade efetiva é necessário haver debates específicos, e fora do período eleitoral. Durante a campanha, é até melhor que esse debate nem aconteça, porque é superficial”, afirma Venturi.

E no Ibope… Nem 10% da população aceita que uma mulher aborte por vontade própria
Em novembro de 2010, A ONG Católicas pelo Direito de Decidir, favorável à descriminação do aborto, resolveu encomendar ao Ibope uma pesquisa para saber se, de fato, os brasileiros eram tão contrários à prática quanto pareciam, dado o interesse em explorar negativamente o tema na eleição presidencial. Os resultados foram ainda piores do que o esperado: apenas 9% dos 2002 entrevistados em 140 municípios do País se disseram favoráveis à realização do aborto no caso mais comum, quando o anticoncepcional falha. E só 8% quando a mulher diz não possuir condições econômicas para ter uma criança.

Os brasileiros demonstraram estar preparados para admitir o aborto somente em circunstâncias em que ele já é legal, como o risco de vida para a mãe e em casos de estupro, e na evidência de má-formação do feto, ainda sob apreciação do Supremo Tribunal Federal. “Tínhamos a expectativa de que a situação estivesse melhor, mas a posição conservadora se manteve”, diz Rosângela Talib, uma das coordenadoras da ONG. “Os setores mais conservadores colocaram a descriminação do aborto como se representasse assassinato de crianças. E, infelizmente, parece que esse discurso colou. Temos um caminho de discussão com a sociedade ainda longo pela frente.”

Os números da pesquisa indicam que o Brasil deverá demorar muito tempo até aprovar a descriminação do aborto, como aconteceu na Espanha, em Portugal e na Cidade do México. Lá, os temores de que, com a liberação, os casos de interrupção da gravidez aumentassem não se concretizaram. “O que ocorre num primeiro momento é que, como há uma demanda reprimida, o número de abortos cresce, mas logo se estabiliza”, defende Rosângela. “Ninguém em sã consciência é a favor do aborto, o ideal seria não precisar abortar. O fato é que, quando se descrimina a prática, amplia-se a conscientização e o uso de métodos contraceptivos, porque a mulher tem mais acesso à saúde pública. Este, sim, é o objetivo principal.”

Um dado positivo da pesquisa é que a maioria dos entrevistados opinou que a decisão de ter ou não um filho é exclusiva da mulher, não de uma igreja, do governo, do Judiciário ou do Congresso. Infelizmente, elas dependem dos legisladores para que essa decisão majoritariamente sua seja possível. Por ser a defesa do aborto um assunto proibitivo, do ponto de vista eleitoral, quem terá coragem de tomar a iniciativa de recolocá-lo em debate?

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