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quarta-feira, 6 de abril de 2011

A senadora fala

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Legislativo tem medo de avançar na questão LGBT, critica Marta Suplicy

Em entrevista ao site Mix Brasil, Marta Suplicy diz que Legislativo se apequena na questão LGBT

A senadora Marta Suplicy (PT-SP, na foto), vice-presidenta do Senado, é um nome que dispensa apresentações no meio LGBT e que neste ano entrou com força total na luta pela cidadania homossexual no Poder Legislativo, que ela considera o mais atrasado dos três na questão de direitos plenos. Em visita ao MixBrasil, Marta conversou com sobre os assuntos mais urgentes que habitam as pautas da militância e do governo, sempre de forma simpática e elegante, é claro.

Para a parlamentar, o Brasil sofreu um retrocesso desde 1995 - quando ela era deputada federal e apresentou o projeto de lei sobre a união estável – e ficou para trás de países vizinhos como Argentina e Uruguai. “O que a gente vê é que o Executivo avança, ele avançou corajosamente, quem se apequena, quem tem medo, é o Legislativo.”

É para reverter esse atraso que ela tem feito uma verdadeira peregrinação pelo Poder Judiciário mantendo conversas pontuais a favor da aprovação do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo no Supremo Tribunal Federal (STF). Na entrevista a seguir, Marta conta como e porque se envolveu com a causa da diversidade sexual e revela que o Legislativo só vai avançar no assunto se os parlamentares a favor deixarem o medo de lado e mostrarem sua cara.

Você sempre trabalhou em favor da comunidade LGBT de várias maneiras. Como você vê a realidade de hoje no que diz respeito aos direitos dos homossexuais?
Eu acredito que desde 1995, quando foi colocado pra votar – ainda está lá no Plenário – aquela lei da união estável que eu fiz como deputada, o Brasil retrocedeu e muito. O Judiciário avançou e o Executivo avançou. O Judiciário avançou e hoje nós temos união estável, temos casamento, temos adoção. Então em muitas áreas houve esse avanço. Na questão do Executivo, nos últimos meses do governo Lula ele promulgou dois decretos importantes que foi a possibilidade de declarar a receita conjuntamente e a questão da aposentadoria. Quando fui prefeita, no Executivo, também pudemos dar aposentadoria para uma funcionária que a companheira tinha falecido e era funcionária da prefeitura de São Paulo. O que a gente vê é que o Executivo avança, ele avançou corajosamente, quem se apequena, quem tem medo, é o Legislativo. O Legislativo não avança. Agora temos um deputado na Câmara Federal que é um deputado muito atuante e que está fazendo um projeto de casamento e tudo, o Jean Wyllys (PSol-RJ), que pode tentar um avanço. Pelo menos vai fazer com que as pessoas se posicionem. E nós vamos ter agora uma votação no Supremo (Tribunal Federal) que eu acho que pode ser muito interessante, essa da união estável, eu não sei até onde vai caminhar, mas acredito que vai ter um resultado jamais alcançado. E no Senado nós temos o PLC 122/06, que é uma lei da ex-deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) que torna crime uma ação homofóbica. Uma ação homofóbica pode ser grande, variada, mas basicamente qualquer tipo de discriminação. Aí vai discriminação na entrada de uma boate, a discriminação no trabalho, coisas mais sérias como espancamento, morte, coisas desse tipo, mas qualquer tipo de ofensa calcada no preconceito. Então nós vimos, por exemplo, aquele espancamento que teve na Avenida Paulista, quem não entende o que é a lei de combate à homofobia basta pensar se aquilo tem alguma coisa a ver com uma briga de bar.

Como paulistana como se sentiu como com esse episódio?
Morrendo de vergonha. Porque primeiro foi o da Paulista, depois teve um ali pela Augusta. É vergonhoso para nós, é indigno da nossa cidade. Eu lembro que há 10 anos atrás a vizinha Buenos Aires era considerada mais conservadora, hoje eles têm casamento gay e a gente tem espancamento na Avenida Paulista. Nós retrocedemos, porque quando você não avança em uma questão dessa e começa a ter espancamento na Avenida Paulista é retrocesso. Quando você tem aumento de homicídios de homossexuais é retrocesso.

É porque a Avenida Paulista é um espaço de liberdade.
É o símbolo paulistano. De repente você ter a cidade de São Paulo com um comportamento dessa espécie... Eu acho que o projeto anti-homofobia tem tudo para se sair bem, passar no Senado. Ele passou na Câmara, agora nós vamos ter que fazer umas emendas e ele vai voltar à Câmara.

As pessoas têm um pouco de medo em relação a essa lei, alegam que ela vai ser muito dura. Isso é verdade?
Ela não é tão forte como uma lei do racismo, mas ela não deixa impune. Por exemplo, se você é desacatado hoje na rua e vai fazer uma queixa, vai ocorrer como o rapaz lá da Augusta que a policial falou ‘não vai porque não vale a pena, você não vai ter o que falar’. Não é um simples desacatado, é a lei do desacato, é o movimento de ódio, de preconceito que como sociedade civilizada a gente não pode aguentar.

Temos ainda episódios como os ataques homofóbicos do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Isso atrapalha na conquista de direitos, não é?
Teve duas coisas. Uma foi um ataque racista, isso tem criminalização no País, é crime. A outra coisa foi um ataque homofóbico, que não constitui crime no País. É preconceito, mas não é criminalizado. Ele feriu a Constituição e você pode ter um mandato parlamentar que protege você de ações que têm a ver com o seu mandato, na defesa do seu mandato, mas você não pode ferir a Constituição. Isso complicou a situação do deputado. Não dá para passar impune. Se fosse um deslize já seria extremamente grave porque continua sendo uma ação contra a Constituição. Não sendo um deslize, porque isso é reiterado, já foram muitas vezes, se torna muito mais sério e a Câmara tem que discutir, se aprofundar sobre isso e tomar uma posição.

Muita gente diz que a comunidade LGBT não é unida o bastante para eleger seus representantes. Você acha que isso atrapalha?
Ajudaria mais se nós tivéssemos representantes homossexuais, é sempre mais interessante. Ao mesmo tempo, não é o fundamental. O fundamental é que os deputados e os senadores percebam que seus eleitores e eleitoras querem um país mais civilizado. E que para isso acontecer nós temos que ter leis não que vão eliminar preconceitos, isso é difícil, mas vão diminuir e muito. As pessoas vão se portar de forma mais decente, mais adequada, mais civilizada. E a gente tem que buscar sempre isso. Eu acredito que muitos dos deputados e senadores, alguns por dogma de fé e crença religiosa, têm uma visão contra, outros concordam que deva haver uma criminalização da homofobia e outros concordam, mas têm medo do eleitor. Esses que concordam, mas não vão dar a cara, é que nós temos que convencer que tem que dar a cara, senão o País não avança.

É do apoio deles que a gente precisa.
É deles porque eles não são homofóbicos, eles entendem a necessidade, mas eles acham que isso vai custar um preço muito caro com o eleitor, e muitas vezes estão enganados. Se eles explicarem para o seu eleitor e sua eleitora ninguém quer morar em um mundo onde se espanca uma pessoa porque ela é diferente de mim, ou ela não é do jeito que eu acho que ela tinha que ser. Eu tenho que aprender a conviver com diversidade, e isso tem que ser ensinado.

A Parada completa 15 edições neste ano. Como a senhora vê a evolução da Parada nesse tempo?
Eu já alertava nas últimas Paradas que ela ficou mais linda no sentido de mais glamourosa, com mais gente, muita música, muita festa. Vai todo mundo, virou uma festa da cidade, o que é ótimo. Mas chega um momento em que a Parada não pode ser só uma festa, ela tem que ser hora de dizer ‘olha a gente tá aqui e a gente quer isso aqui’. Então a Parada tem que ter um momento de mais reflexão. Acho que a Parada deste ano, já conversei bastante com os organizadores, ela vai ser esse momento. Ela vai ser um momento de posicionamento em relação ao que o País vive em relação a GLBT. Nós não podemos permitir que a situação seja dessa forma, dessa violência. Tem que ter um cunho político, a defesa do direito de cidadania, do direito a existir, o direito a ser respeitado, o direito a ser pessoa humana. Isso que a Parada deve buscar. Eu acredito que este ano ela vai ser muito forte não só em termos de pessoas como sempre foi, mas ela vai ter uma caracterização pesada.

Até porque os últimos episódios vão exigir isso dela.
É isso mesmo. As pessoas têm que ter a ideia que a Parada tem que refletir que a gente vê o homossexual, a lésbica, a travesti de vestido e todo mundo bate palma, mas acaba a Parada ele pode ser atropelado, acaba a Parada ele não entra em um bar, acaba a Parada a situação é outra. Isso que tem que ter uma forma de mostrar. Inclusive quando a gente fez aquela Parada com a ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) a favor do Disque 100, da homofobia, eu percebi logo como deveria ser a Parada deste ano. Veio um rapaz todo machucado e eu levei um susto, aí eu percebi que ele tinha pintado toda a cara. Eu pensei que é isso que as pessoas têm que ver, é isso. Elas têm que ver que é isso que um homossexual passa neste País, e isso ninguém tolera, porque ninguém quer uma pessoa, seu vizinho, ou quem está perto de você, ou quem está longe de você, vá viver em uma cidade onde por ser de um jeito que o outro não concorda vai ser espancado.

O trabalho da senhora não foi sempre só com LGBT, também envolveu outras minorias, como negros e mulheres.
Isso é verdade, desde o “TV Mulher”. Foi o caminho que me possibilitou sentir o quê vivia a mulher como cidadã de segunda categoria naquele momento. Eu estou falando de 30 anos atrás. O “TV Mulher” fez 30 anos neste ano. Para a comunidade homossexual também. Depois no consultório eu trabalhei uns anos como psicóloga, deu para acompanhar principalmente na questão do homossexual a dificuldade, a dureza que era falar pra família, de ser aceito no ambiente, em uma universidade. Isso me sensibilizou e quando entrei na política eu tinha essa meta de tornar a vida dos cidadãos homossexuais com mais direitos de cidadania, cidadãos que pagam impostos e têm todos os direitos que qualquer cidadão brasileiro. E ao mesmo tempo mais espaço para as mulheres poderem adentrar profissões que não adentravam, poderem entrar em universidades onde elas tinham medo de entrar, de ter discriminação. Para as mulheres nós avançamos mais, para a comunidade LGBT nós avançamos menos, mas mesmo para as mulheres não foi tanta coisa assim porque a lei das cotas (dentro dos partidos políticos) que a gente conseguiu promulgar foi aguada, porque na hora em que o partido foi obrigado a pôr 30% de mulheres eles aumentaram em 50% o número de candidaturas. Então os 30% aguaram completamente. Isso teve um impacto grande para vereadoras, porque elas não conseguiam nem ter legenda, mas os cargos onde é mais difícil, que precisa de mais recurso e mais força do partido para ajudar, não tiveram. Agora nós vamos ter que nos preparar para esta próxima eleição. Se vai ser o tal do distritão ou distrital ou a lista fechada ou a lista mista, o voto misto. Isso tudo vai fazer muita diferença para a mulher. Porque na lista fechada, que é o quê o PT luta, você teria que ter alternância de poder. Senão ia ter 50 candidatos, as mulheres iam ficar as 10 últimas, aí você vai ficar fazendo campanha para eleger os do topo da lista. Teria que ter prévia, teria que ter alternância. Agora, isso é muito difícil, você não sabe o quanto.

É mais complicado do que lutar pelo público gay ou não tem comparação?
Não dá para comparar porque o preconceito contra o público gay é muito acentuado e menos disfarçado. O da mulher disfarçam bastante, mas na hora que você fala ‘vamos resolver então se vai ser lista fechada, qual é o lugar da mulhwer nessa lista’, dizem que depois, depois a gente toca nesse assunto, a conversa fica pra nunca. Mas a gente tem ficado esperto.

Na semana passada foi lançada a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Qual o objetivo dela e suas perspectivas?
As perspectivas é você ter parlamentares que possam se unir a cada momento que for necessário, possam tomar posturas a cada momento. Então isso me parece bastante importante. Ela existia e agora foi refeita, achei muito bacana a possibilidade de refazer essa frente parlamentar. Porque tem frente parlamentar a favor do que você quiser, mas uma frente a favor dos LGBT eu acho extremamente importante, porque na hora do vamos ver essa frente fica lá ativa.

O deputado federal assumidamente gay Jean Wyllys (PSol-RJ) apresenta neste ano a PEC do casamento entre pessoas do mesmo sexo. É um primeiro passo pra gente conseguir equiparar de uma vez os direitos?
É um primeiro passo, é um passo importantíssimo porque nunca foi apresentado desta forma, foi sempre como união estável. Então eu acho muito bom que ele apresente isso para começar a discussão.

Isso reflete uma maior abertura da sociedade de agora, apresentar um projeto que agora é de equiparação mesmo, não só a união estável?
Não, não reflete nada da sociedade, mas reflete ao mesmo tempo um avanço no mundo. A sociedade brasileira ainda é muito difícil, nós tivemos um retrocesso e com bancadas evangélicas muito fortes para votar isso. Na sociedade civil eu acho que as pessoas convivem melhor com essa ideia, mas os países vizinhos tiveram avanços enormes se você pensar na Argentina que tem o casamento e nós aqui temos espancamento.

A senhora acha que os avanços em países como Argentina e Uruguai contribuem para o avanço aqui no Brasil? Pressiona o País?
Faz uma pressão, acho que faz muita pressão. Agora, no Brasil está muito difícil por causa dessas bancadas religiosas que tornam dificílima a aprovação de qualquer mudança de comportamentos e atitudes.

A gente percebe que no andamento do PLC o principal impedimento são as audiências públicas pedidas pelas pessoas contrárias à proposta para postergar a discussão. Isso já foi feito várias vezes. Tem como acelerar esse processo, tentar talvez contornar esses pedidos?
Não, se pedirem tem que fazer, é da lei. Tem que seguir a lei.

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