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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Mapeamento cultural LGBT da Bahia

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Na Bahia, sempre é hoje: dia de festa, luta e fé

Do Portal Somos

Ginna d'Mascar

Misturas, sincretismos e reinvenções. Paisagem grandiosa em seus cantos históricos, urbanos e naturais. Tudo tem algo a dizer: suas ruas, seus prédios, seus desenhos, seus sons, suas cores, seus habitantes.

A passagem pela capital baiana, trouxe ao Mapeamento reflexões acerca da diversidade de linguagens, formas, sabores, devoções e comportamentos. Nada de novo para a cidade de São Salvador que é um dos palcos mais intensos de misturas deste país. E que, sempre encanta e surpreende, contando novas histórias, mostrando novos lugares e revelando diversas formas de existir. Uma vivência que nos aproximou de outros mundos, outras culturas. Sensações diferentes daquelas que são publicizadas para fisgar turistas. Salvador vai além.

Nossa observação para as expressões artísticas LGBT apontou para novas percepções e diferentes formas de perceber a cidade. Por um lado, a liberdade sexual que parece tão promovida e difundida, mostrou-se mais velada e menos fantasiosa. Assim como a Parada do Orgulho LGBT enfrenta questões adversas para acontecer e onde os orixás ainda ficam nos fundos da loja de imagens religiosas católicas.

Palcos de Invenção, Profissionalismo e Afeto
Nossa primeira experiência foi uma visita ao histórico Beco das Artistas, lugar da boêmia soteropolitana, freqüentado por estudantes e artistas, que se reuniam para tomar uma cerveja com os amigos noite a fora. Um espaço de efervescência, diversidade, juventude e resistência cultural que passou por diversas transformações de públicos e perfis, tornado-se referência de espaço LGBT da cidade, até hoje.

No Beco, conversando com o ator alagoano Aldo Zeck, fomos apresentados à Ginna d’Mascar. Diferente do glamour do Transformismo e do exagero fashion do mundo das drag queens, Ginna se apresenta caricata, nos brindando com um espetáculo interativo pautado em improvisos, esquetes de humor e dublagens, imediatamente sintonizado ao seu público. Um trabalho marcante de atuação cênica, que subverte linguagens do teatro e do transformismo, realizando uma performance inteligentemente debochada e cativante, que só começa quando ela sobe no salto.

Ainda no campo das Artes Cênicas, conhecemos o trabalho de outros importantes artistas que contribuem para o aprimoramento artístico e profissional da linguagem do Transformismo.

A drag Valerie O’rarah se destaca na cena acrescentando às suas performances referências étnicas e populares do repertório visual e conceitual afro-baiano. De forte caracterização, em seus trabalhos traz elementos como cabelo afro, palha da costa, vestes que integram peles de animais selvagens, signos de orixás e pontos de Candomblé, entre outras marcas.

Há mais de 25 anos atuando em diversos palcos, o trabalho de Bagagerie Spilberg é uma referência histórica de engajamento profissional e cultural em Salvador. Suas perfomances clássicas de dublagem, marcadas invariavelmente por trajes de gala, aproxima de forma inusitada, a literatura de todo, e qualquer palco, da sauna ao teatro. Toda performance se encerra com a declamação de um poema e a retirada de sua peruca, um gesto simbólico que insiste em lembrar que, por trás da personagem há um homem, um gay, um artista.

Em sua longa trajetória como artista e realizadora de eventos ligados ao universo do Transformismo, Bagagerie nos apontou para a importância da profissionalização e reconhecimento da Arte Transformista, através de premiações e remunerações adequadas, pois nenhuma caracterização existe sem algum investimento financeiro (sapatos, perucas, vestidos, jóias, etc). Embora tenha um trabalho consolidado e vivendo somente através desta arte, esta não é uma realidade para a maioria dos artistas transformistas.

Os univervos de Ginna, Valerie e Bagagerie, assim como de toda a classe artística transformista da cidade, concatenam para o tradicional bar Âncora do Marujo, carinhosamente chamado de Marujo. Um bar noturno voltado para a Arte Transformista. Um berço para artistas, travestis e transexuais, carinhosamente chamados de “filhas” por Fernando, o proprietário do lugar. Chegamos no Marujo para uma entrevista e fomos arrebatados pelo axé do ambiente. Já na entrada, uma grande imagem dO Marujo, caboclo protetor saúda os visitantes, ao lado de Santa Bárbara/Yansã. No Marujo, não há como escapar de uma forte sensação de acolhimento, respeito e aconchego. Todos os artistas cativos da casa têm cartazes de seus espetáculos ornando as paredes do lugar; todos com a insígnia “Hoje”. Este “hoje” que remete às marcas do tempo, aproxima passado e presente, idas e vindas. Todos estão ali homenageados, como se estivessem presentes, voltando a qualquer dia para se apresentar. O Marujo é daqueles lugares que a gente vai e sempre volta. Como a casa da gente.

Palcos de Engajamento: sociais, culturais e políticos
A passagem por Salvador trouxe ao Mapeamento reflexões sobre diversas formas de engajamento, que a seus diferentes modos, contribuem para uma sensibilização política e reflexiva sobre a diversidade sexual. São ações que comunicam, informam e promovem mudanças individuais e sociais.

A Literatura é a linguagem escolhida pelo escritor baiano Waldek Almeida de Jesus. Em suas crônicas, poemas e novelas, escreve sobre o cotidiano da homossexualidade. Sua obra, cruzando elementos ficcionais e reais, reflete suas experiências, seus anseios, suas questões. Fala de sua vivência enquanto gay e de seu olhar frente ao mundo.

A web série Apenas Heróis, criada pelo jornalista Daniel Sena, apresenta novos canais de atuação ao se apropriar da internet. A carência de programas jovens específico para LGBT, deu origem a série. Com episódios de trinta minutos, a série que já está no 13º capítulo, conta com mais de 7 milhões de acesso. De linguagem simples e informal, aborda com naturalidade o cotidiano de jovens LGBT com questões universais, dentro dos limites de Salvador. Sem a preocupação de ter um viés pedagógico, a série tem sido espaço de diálogo entre LGBT de diversos lugares do país. “Suas histórias falam de questões vivenciadas por jovens em geral e prova disto é que 50% de seu público é heterossexual”, como destaca Daniel.

O teatro enquanto palco de representação da sexualidade foi o mote da conversa com o ator Duda Woyda e o diretor Djalma Thürler, da Atelier Voador Cia. de Teatro. Suas produções têm preocupação social e política em trazer à tona, através da linguagem cênica, questões acerca da sexualidade, tendo como foco a flexibilização das masculinidades. Marcante destacar que espetáculos relacionadas à temática da sexualidade têm alcançado cada vez mais, embora timidamente, grandes platéias e acessado espaços e financiamentos públicos. OMelhor do Homem, espetáculo da Cia, por exemplo, conquistou o prêmio Myriam Muniz, promovido pela Funarte/MINC para montagem de espetáculos, em 2009.

 
Parada Gay da Bahia, principal manifestação política e cultural da população LGBT, é organizada na cidade pelo GGB – Grupo Gay da Bahia. Promovida há dez anos na cidade, o evento que começou com um pequeno grupo de pessoas, hoje chega a 600 mil. Mesmo assim, como se tem visto na realidade de outras cidades ainda trava dificuldades para sua realização, especialmente junto aos órgãos públicos. Keila Simpson, membro da Diretoria do GGB e Coordenadora da ATRAS – Associação de Travestis e Transexuais de Salvador, que nos recebeu na sede do Grupo, percebe que a Parada tem sensibilizado cada vez mais a população e reforça que “a luta contra o preconceito deve ser realizada através do exercício da paz, tolerância e respeito todos os dias, para além do dia da Parada”. Destaca também a importância política do evento para esclarecer a população a não votar em candidatos intolerantes às diferenças e às liberdades.

Ainda na sede do GGB, localizada no Pelourinho, o voluntário Cristiano Santos nos apresentou o Museu Erótico da Bahia e o acervo literário disponibilizado para consulta e empréstimo à população. O espaço também é uma referência para informações turísticas no segmento, assim como orientações relacionadas a serviços de saúde e direitos para a população LGBT. O GGB também realiza o tradicional Concurso Nacional de Fantasia Gay, que revitaliza a praça Castro Alves, antigo reduto gay e recupera a magia dos concursos de fantasias. Um evento onde desfila todo o tipo de pessoa. Onde se mistura mas não se rotula.
E seguimos este percurso, navegantes. Sob a benção e a proteção do Marujo.

Ô marinheiro é hora, é hora de trabalhar. (bis)
É céu é terra é mar, ô marinheiro olha o balanço do mar.(bis)

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