Começou a reação do Congresso ao protagonismo do Supremo Tribunal Federal nas grandes questões nacionais. Vários deputados e senadores têm se queixado que o STF está extrapolando o seu papel e usurpando deles a função de legislar. Alguns projetos visando limitar o poder do STF já tramitam na Câmara Federal. Não é muito provável que avancem, pois ameaçariam o equilíbrio dos três poderes, mas emitem os sinais de desconforto e têm efeito simbólico considerável. Só que o problema não está na Corte Suprema.
A verdade é que o Senado e a Câmara Federal não têm cumprido sua função de legislar, e para comprovar isso basta analisar a situação na segunda casa. No retorno do recesso parlamentar, os deputados encontrarão a pauta de votações trancada por medidas provisórias que não foram apreciadas no primeiro semestre legislativo. Eles estão mais interessados nas emendas que lhes permitem fazer negociações políticas e na liberação de verbas pelo Executivo. No embate, só passam mesmo os projetos do interesse do Planalto, motivo pelo qual as igrejas evangélicas submeteram o apoio à eleição da presidenta Dilma ao não envio de projeto sobre o aborto e o casamento homoafetivo. Projetos importantes como o Estatuto da Igualdade Racial e o PLC 122, da criminalização da homofobia, ficam paralisados por anos e, quando começam a ser discutidos, perdem todas as medidas de potencial transformador.
Para entender melhor a questão, vejamos o exemplo dos novos arranjos familiares. Não se trata apenas de famílias formadas por casais homoafetivos, mas de pais e filhas, tias e sobrinhas, avós e netos, irmãos, os chamados “pais de criação”, e uma série de possibilidades infindas. As pessoas não dependem das leis para constituir essas famílias: elas foram redefinidas pelas mudanças sociais, e a despeito das opiniões conservadoras. É a lei que precisa se adaptar para assegurar direitos e evitar injustiças. Mas o Estatuto das Famílias aprovado foi apenas uma fração do que a sociedade civil propunha graças às intervenções moralistas dos religiosos, em condições políticas de travar o processo.
Diante da inapetência do Poder Legislativo e do atraso da legislação, é o Poder Judiciário quem precisa lidar quotidianamente com essa realidade. É aí que ganha importância a jurisprudência e o STF vê, nos casos que chegam à Corte, a oportunidade de facilitar a atuação dos juízes com decisões de força vinculante, a serem reproduzidas nas instâncias inferiores. Um mecanismo perfeitamente legal e justo, assim como o Executivo tem as medidas provisórias para garantir que suas urgências sejam votadas.
O reconhecimento da união estável homoafetiva, a liberação das marchas da maconha e a demarcação de terras indígenas são temas atuais, para os quais o Congresso se omite. No contraste com uma casa legislativa vista pela opinião pública como antro de corrupção, os ministros não precisam se esforçar muito para ganhar o primeiro plano da agenda positiva do país. Como disse a senadora Marta Suplicy, o Congresso se apequenou.
Não quer dizer que o Supremo Tribunal Federal não seja passível de críticas. Elas existem, e apontam para o elitismo e o corporativismo. A própria idéia de que esteja legislando não é uma crítica sem eco. Submetido às chantagens de um congresso que deveria controlar na quase ausência de oposição, o Executivo tampouco se sai melhor. Mas ambos os poder estão muito maiores do que a “casa do povo” que, do povo, só tem o voto. É preciso que os três poderes cresçam para responder aos novos desafios. Ao invés disso, o Legislativo tenta reduzir o Executivo e o Judiciário ao seu tamanho.
Blog do Fórum Baiano LGBT
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