Em entrevista ao Observatório da Educação, o educador Lula Ramires (foto), diretor da entidade Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor (Corsa) – que atua na defesa da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) – e doutorando da Faculdade de Educação da USP, falou sobre as emendas referentes à temática da homofobia propostas para o projeto de lei que cria o novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Observatório da Educação - Como avalia as emendas apresentadas?
Lula Ramires – A emenda que estabelece uma nova estratégia para a meta oito (acesse aqui as emendas) tem um problema: em geral se usa homofobia para se referir a todas as formas de discriminação, ou se utiliza os termos homofobia, lesbofobia e transfobia. Desse jeito que está, sem o termo transfobia, as travestis e transexuais, que são justamente as mais excluídas, ficam de fora. Ou deve ser retirado lesbofobia ou acrescentado transfobia.
Outra questão é que acho fraco, para essa temática, que as ações simplesmente se proponham a promover programas que valorizem a diversidade. Fica tão solto, simplesmente fazer um cartaz, uma formação qualquer já responde à emenda e não é suficiente, não incide sobre o currículo, sobre as práticas escolares. Essa é a impressão que me dá ao ler da maneira como está, parece insuficiente. Tendo em vista os fatos recentes de suspensão de material específico para a temática, então precisava de material mais incisivo. Na outra emenda isso se resolve. Está ótima, pois trata de formação inicial e continuada. O caminho é esse mesmo.
Observatório da Educação – A meta oito trata da elevação da escolaridade e da redução da desigualdade educacional, e a emenda estabelece uma estratégia para essa meta. Qual é a relação entre escolaridade, evasão e homofobia e a importância de se desenvolver programas sobre isso?
Ramires – Nesse sentido, essa proposta está bem colocada, é nessa meta mesmo, de elevação de escolaridade, porque todas as formas de preconceito e discriminação afastam alunos da escola. Combater racismo, sexismo e homofobia é forma de manter estudantes na escola, com olhar atento para esses segmentos que tenderiam a evadir. No caso da homofobia, não temos estudo quantitativo para saber quantos evadem em função do preconceito. Existem pesquisas em relação ao racismo, por exemplo, ou sobre evasão em regiões rurais. A política pública fica apoiada em estudos concretos. No caso da homofobia não tem uma pesquisa que diga quantas pessoas abandonam escola por ano em função desse tipo de preconceito.
Sabemos que quando a gente encontra travesti se prostituindo na rua, ela vai te contar que em um determinado momento da vida, a presença dela na escola se tornou inviável. A violência é grande e extremada: se aparecesse com seios, perna depilada, todos os sinais mostrando que tem identidade de gênero diferente do que a sociedade espera, teria que sair da escola. Há diversas dissertações mostrando isso. E justamente elas não estão contempladas pela emenda.
No caso dos gays e lésbicas, se não for assumido e não tiver os estereótipos do que se imagina que sejam os gays e as lésbicas, a pessoa passa pela escola tranquilamente, às vezes até como melhor aluno, pois o estudo é uma forma de compensar o medo de ser descoberto, de sofrer insultos e violência.
Observatório da Educação – A realização de um censo, então, seria uma estratégia necessária e que não consta no plano?
Ramires – Essa necessidade de censo foi exigida na Conferência Nacional de Educação (Conae), nas etapas municipal de São Paulo, estadual de São Paulo e nacional. É estranho não estar no PNE, dá a sensação de que quem trabalhou com o projeto de lei não pegou as deliberações da Conae. Tinha muito mais coisas do que essas duas emendas que estão sendo apresentadas agora. Essa é uma dificuldade de fazer política pública: se não há dados concretos e objetivos sobre a realidade que se quer incidir, fica difícil.
Observatório da Educação – Quais são os principais desafios para a superação do preconceito e da homofobia no ambiente escolar
Ramires – Acho que uma das questões fundamentais, e isso tem a ver de novo com a história do kit, é que a escola brasileira é heteronormativa, trabalha dentro de um padrão social em que as relações aceitas, desejáveis, valorizadas e transmitidas o tempo todo são as heterossexuais. Não há visibilidade positiva para a diversidade sexual. O comentário da presidenta Dilma na época do kit era de que o governo não faria propaganda de opções sexuais. Em primeiro lugar, parte do pressuposto de que é opção, de que escolhem, mas a discussão é muito mais complexa. Hoje se fala em orientação, porque não é escolha consciente.
Além disso, não dá para valorizar diversidade se não der visibilidade para formas não convencionais, não comuns de viver a sexualidade. De que maneira posso valorizar se não falar delas, mostrar que existem, que é forma de viver a vida? Esse é o grande nó. Não adianta só ficar falando “vamos valorizar diversidade” e não entrar na questão, não comprar a briga. O sistema de ensino tem papel fundamental na democratização porque é ele que vai garantir que essas formas não majoritárias existam. Foi nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casais do mesmo sexo têm mesmos direitos. Deve ser propositivo no sentido de aprender da lidar com diferença.
Observatório da Educação – Gostaria de acrescentar mais alguma questão?
Ramires – É preciso dar centralidade a questões como a racial, de gênero e sexualidade. A sexualidade não é característica que você leva na lancheira, é constitutivo da identidade, e escola não pode não fazer nada com isso, isso é questão para todos os alunos. Na sociedade todos têm que conviver com todos, não é para separar e fazer algo, é discussão para se fazer com todos. Uma escola melhor para os negros é também para os brancos. Uma escola melhor para meninas é também para os meninos. A preocupação geral é que de fato se tenha uma escola que seja acolhedora, porque você está inteiro nela, não é só seu cérebro recebendo informação científica, está lá com você seu corpo, sua trajetória de vida e seus sonhos.
Lula Ramires – A emenda que estabelece uma nova estratégia para a meta oito (acesse aqui as emendas) tem um problema: em geral se usa homofobia para se referir a todas as formas de discriminação, ou se utiliza os termos homofobia, lesbofobia e transfobia. Desse jeito que está, sem o termo transfobia, as travestis e transexuais, que são justamente as mais excluídas, ficam de fora. Ou deve ser retirado lesbofobia ou acrescentado transfobia.
Outra questão é que acho fraco, para essa temática, que as ações simplesmente se proponham a promover programas que valorizem a diversidade. Fica tão solto, simplesmente fazer um cartaz, uma formação qualquer já responde à emenda e não é suficiente, não incide sobre o currículo, sobre as práticas escolares. Essa é a impressão que me dá ao ler da maneira como está, parece insuficiente. Tendo em vista os fatos recentes de suspensão de material específico para a temática, então precisava de material mais incisivo. Na outra emenda isso se resolve. Está ótima, pois trata de formação inicial e continuada. O caminho é esse mesmo.
Observatório da Educação – A meta oito trata da elevação da escolaridade e da redução da desigualdade educacional, e a emenda estabelece uma estratégia para essa meta. Qual é a relação entre escolaridade, evasão e homofobia e a importância de se desenvolver programas sobre isso?
Ramires – Nesse sentido, essa proposta está bem colocada, é nessa meta mesmo, de elevação de escolaridade, porque todas as formas de preconceito e discriminação afastam alunos da escola. Combater racismo, sexismo e homofobia é forma de manter estudantes na escola, com olhar atento para esses segmentos que tenderiam a evadir. No caso da homofobia, não temos estudo quantitativo para saber quantos evadem em função do preconceito. Existem pesquisas em relação ao racismo, por exemplo, ou sobre evasão em regiões rurais. A política pública fica apoiada em estudos concretos. No caso da homofobia não tem uma pesquisa que diga quantas pessoas abandonam escola por ano em função desse tipo de preconceito.
Sabemos que quando a gente encontra travesti se prostituindo na rua, ela vai te contar que em um determinado momento da vida, a presença dela na escola se tornou inviável. A violência é grande e extremada: se aparecesse com seios, perna depilada, todos os sinais mostrando que tem identidade de gênero diferente do que a sociedade espera, teria que sair da escola. Há diversas dissertações mostrando isso. E justamente elas não estão contempladas pela emenda.
No caso dos gays e lésbicas, se não for assumido e não tiver os estereótipos do que se imagina que sejam os gays e as lésbicas, a pessoa passa pela escola tranquilamente, às vezes até como melhor aluno, pois o estudo é uma forma de compensar o medo de ser descoberto, de sofrer insultos e violência.
Observatório da Educação – A realização de um censo, então, seria uma estratégia necessária e que não consta no plano?
Ramires – Essa necessidade de censo foi exigida na Conferência Nacional de Educação (Conae), nas etapas municipal de São Paulo, estadual de São Paulo e nacional. É estranho não estar no PNE, dá a sensação de que quem trabalhou com o projeto de lei não pegou as deliberações da Conae. Tinha muito mais coisas do que essas duas emendas que estão sendo apresentadas agora. Essa é uma dificuldade de fazer política pública: se não há dados concretos e objetivos sobre a realidade que se quer incidir, fica difícil.
Observatório da Educação – Quais são os principais desafios para a superação do preconceito e da homofobia no ambiente escolar
Ramires – Acho que uma das questões fundamentais, e isso tem a ver de novo com a história do kit, é que a escola brasileira é heteronormativa, trabalha dentro de um padrão social em que as relações aceitas, desejáveis, valorizadas e transmitidas o tempo todo são as heterossexuais. Não há visibilidade positiva para a diversidade sexual. O comentário da presidenta Dilma na época do kit era de que o governo não faria propaganda de opções sexuais. Em primeiro lugar, parte do pressuposto de que é opção, de que escolhem, mas a discussão é muito mais complexa. Hoje se fala em orientação, porque não é escolha consciente.
Além disso, não dá para valorizar diversidade se não der visibilidade para formas não convencionais, não comuns de viver a sexualidade. De que maneira posso valorizar se não falar delas, mostrar que existem, que é forma de viver a vida? Esse é o grande nó. Não adianta só ficar falando “vamos valorizar diversidade” e não entrar na questão, não comprar a briga. O sistema de ensino tem papel fundamental na democratização porque é ele que vai garantir que essas formas não majoritárias existam. Foi nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casais do mesmo sexo têm mesmos direitos. Deve ser propositivo no sentido de aprender da lidar com diferença.
Observatório da Educação – Gostaria de acrescentar mais alguma questão?
Ramires – É preciso dar centralidade a questões como a racial, de gênero e sexualidade. A sexualidade não é característica que você leva na lancheira, é constitutivo da identidade, e escola não pode não fazer nada com isso, isso é questão para todos os alunos. Na sociedade todos têm que conviver com todos, não é para separar e fazer algo, é discussão para se fazer com todos. Uma escola melhor para os negros é também para os brancos. Uma escola melhor para meninas é também para os meninos. A preocupação geral é que de fato se tenha uma escola que seja acolhedora, porque você está inteiro nela, não é só seu cérebro recebendo informação científica, está lá com você seu corpo, sua trajetória de vida e seus sonhos.
0 comentários:
Postar um comentário