À medida que os anos passam, vem se evidenciando na sociedade brasileira os diversos arranjos familiares em oposição ao modelo hegemônico de família patriarcal e nuclear composto pela união do homem com uma mulher tendo como frutos, filhos. Esse modelo de família foi definido por Lévi-Strauss, mas de lá para cá outras definições sobre família foram traçadas por antropólogos e sociólogos, reconhecendo outras configurações familiares existentes. A emancipação das mulheres brancas teve um importante papel para o reconhecimento pelos poderes públicos de outros modelos familiares, do reconhecimento de filhos fora do casamento, das famílias chefiadas por mulheres etc. A inserção política e econômica das mulheres brancas no meado do século XX, trouxe consigo resquício do patriarcado europeu, e juntamente com ele os valores e estereótipos de famílias judaico-cristãos.
As famílias negras, no entanto, por conta da dinâmica da economia colonialista escravocrata, não se configuravam conforme o modelo patriarcal nuclear. Isso porque, os componentes das famílias negras eram obrigados a se separar quando eram vendidos para outros engenhos. Muitas mulheres negras alforriadas exerciam função de chefe de família. Muitas delas vendiam quitutes e faziam outras atividades que geravam renda para a manutenção da sua família. Aliado a essa situação historicamente construída pela escravidão, soma-se o fator cultural e religioso de matriz africano. Muitas mulheres assumiam posições de poder e prestígio como mulheres sacerdotisas importantes nas atividades religiosas dos terreiros de candomblés. Esse legado matriarcal influencia até hoje as configurações de famílias negras do país como podemos observar com os estudos etnológico de HITA-DUSSEL (2004)
A família brasileira hoje tem garantido por lei diferentes arranjos familiares. A conquista da comunidade LGBT de ter assegurado através do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo é um avanço significativo para os direitos humanos em uma sociedade laica e democrática. O fato, contudo, vem sofrendo ataques de fundamentalistas evangélicos que desejam, sobretudo, transformar nossa sociedade em um estado teocrático.
Nas últimas semanas nossas casas tem sido invadida no horário nobre da TV aberta por um partido político, o PSC, com a seguinte chamada: Homem + mulher + amor = família. A chamada se contradiz com as diferentes configurações familiares existentes no país e é uma afronta a comunidade LGBT. Sabemos que este partido escreveu uma carta para o STF repudiando a decisão do supremo de reconhecimento da união estável homoafetiva , por entender que não seria da vontade da população brasileira tal decisão. O que precisamos é saber de qual população o partido esta falando? Talvez da população machista e homofobica, já que a chamada da propaganda começa citando o homem, depois a mulher, depois o amor, cuja conseqüência é a concepção dos filhos, para só assim se ter a formação da família. Centraliza o homem na família, induzindo assim, o entendimento do homem como chefe da família e reforçando o patriarcado que é pregado nos templos cristãos.
O estereótipo de família defendido pelo partido em questão é incompatível com a realidade brasileira. Além dos arranjos já legitimados socialmente tais como os de pais ou mães solteiras ou de casais sem filhos, etc. convivemos com famílias homoafetivas com ou sem filhos. Muitas famílias homoafetivas já conseguiram na justiça o direito de ter os nomes das duas mães ou dos dois pais na certidão de nascimento de seus filhos adotados ou biológicos. Isso de certa forma tem um importante papel social, entendendo que essas crianças adotadas por lésbicas ou gays resgatam o direito de ter uma família que possa oferecer proteção, cuidados, respeito e, sobretudo, amor (elemento imprescindível para a estruturação e formação do ser humano).
Contraditoriamente o fundamentalismo evangélico nega não somente outras formas de família diferentes da família nuclear patriarcal heterossexista(homem, mulher, filhos/as), mas também outras formas de amor. O amor que parece ser o único elemento predominante na constituição de todas as configurações familiares existentes. Invisibiliza uma parcela significante de crianças, mulheres e homens e de suas necessidades fundamentais de cidadão e de humano pelo simples fato de não seguirem os padrões brancos, machistas, heterossexistas e biologicistas que insistem em se impor na sociedade.
Resta-nos apelar aos deuses pagãos e cristão, bem como a consciência política da população brasileira, afim de não proporcionar a ascensão em nenhuma esfera política de poder desse partido (PSC), pois de fundamentalistas governando um país e protegido pelo estado, já basta experiência que o mundo teve com o nazismo. É inaceitável que em pleno século XXI tenhamos políticos fundamentalistas cristãos com pensamentos tão próximos do de Hitler. Nos últimos anos convivemos com vários escândalos envolvendo políticos corruptos, isso já é suficiente não precisamos de um Hitler no poder.
Sueli Santana - Mulher, negra, lésbica, mãe de família. Graduada em Letras vernáculas, pós-graduada em História Social e Cultura Afro-brasileira. Profª. do Instituto Cultural Steve Biko. E-mail: ileussantana@hotmail.com
Publicado originalmente no blog do LesBiBahia
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