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domingo, 6 de novembro de 2011

Carta do Congresso da ABGLT

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Carta de Belo Horizonte

IV Congresso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT

Belo Horizonte - Minas Gerais, 31 de outubro a 04 de novembro de 2011

"A missão da ABGLT é promover a cidadania e defender os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidade de gênero"

1. De 31 de outubro a 04 de novembro de 2011 realizamos na cidade de Belo Horizonte o IV Congresso da ABGLT. Este congresso se destaca por ser um divisor de águas na história da nossa entidade com a presença expressiva do gênero feminino e de jovens.

2. O Brasil chegou ao século 21 com uma gama de desafios para se constituir numa sociedade justa e igualitária. Tivemos algumas conquistas e nos últimos 8 anos uma parcela considerável de nossa população conseguiu superar a condição de miséria absoluta.

3. Contudo, é sabido que a desigualdade social é um grande instrumento das classes dominantes que ainda detêm em seu poder a maior parte das riquezas de nosso país. As parcelas da população que mais dependem das políticas públicas, em áreas como educação, saúde, cultura e assistência social enfrentam uma dura realidade de insuficiência e má qualidade destes serviços.

4. Mesmo com algumas iniciativas de legislação e de políticas governamentais, o povo brasileiro ainda sofre cotidianamente com a violência contra a mulher, o racismo, a homofobia, o desrespeito aos direitos de crianças e adolescentes, jovens, idosos, pessoas com deficiência, pessoas vivendo com HIV/aids, migrantes, população em situação de rua, bem como todos os segmentos marginalizados e discriminados em nossa sociedade.

5. O IV Congresso da ABGLT acredita que somente será possível a conquista de um Brasil efetivamente democrático e que garanta a todas e todos as condições para seu desenvolvimento, se trabalharmos juntas e juntos no enfrentamento a todas estas opressões.

6. Muito mais do que políticas de caráter compensatório, acreditamos ser necessário enfrentar com coragem e ousadia a questão de uma transformação radical de nossa sociedade, a partir da qual os destinos e as vidas das pessoas não sejam determinados pelos desejos do capital e do mercado.

7. Esta nova sociedade somente será de fato justa e igualitária se for construída em bases democráticas, respeitando-se a pluralidade e a diversidade humana. A grandeza destes desafios impõe a mais ampla unidade de todos os movimentos que lutam pela igualdade de direitos e contra as opressões.

8. No plano internacional, os mais de 60 anos da promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos não foram capazes de impedir que a barbárie continue oprimindo a maioria da população do planeta.

9. Por um lado, ainda enfrentamos estados totalitários e/ou teocráticos que impõem uma condição de tortura cotidiana a mulheres e à população LGBT, com absurdos como as mutilações genitais e as penas de prisão e morte para homossexuais.

10. Mesmo em países que se proclamam democráticos ainda é possível ver práticas de desumanidade como a pena de morte e a conivência com a tortura. Estes mesmos países se julgam no direito de impor, pela força das armas, suas ideias e seus interesses a outros países, numa atitude hipócrita de falar em defesa da democracia quando efetivamente querem defender seus próprios interesses.

11. A crescente mobilização de milhões de pessoas por todo o planeta, rejeitando estas políticas e exigindo o respeito aos seus direitos nos anima. E nesse contexto é preciso repensar que as organizações sociais também devem tomar para si o papel de protagonizar as lutas políticas e sociais por seus direitos. Precisamos superar a limitação de que estas organizações devem ser prestadoras de serviços ao Estado e aos Governos, garantindo o seu papel de controle social e impulsionadoras das lutas que transformarão a democracia e a sociedade.

12. Nesse contexto, vivemos um novo momento histórico dessas lutas sociais e políticas no Brasil. Cada vez mais se acirra a disputa do Estado e de projetos de sociedade, que trazem consigo um conjunto de formas, valores e princípios que devem reger a nossa democracia e organizar as nossas vidas.

13. Sabemos que hoje no nosso país temos um Governo de composição, influenciado a partir de uma frente ampla de alianças e grupos, que têm diversas opiniões e origens políticas sobre pautas e lutas travadas há muitos anos por movimentos e organizações sociais e populares.

14. É nesse cenário que estão inseridas as diversas lutas de mulheres, negras e negros, jovens, estudantes, trabalhadoras e trabalhadores, pessoas com deficiência, pessoas idosas, pessoas vivendo com HIV/aids e a luta pela livre orientação sexual e identidade de gênero, buscando o fim da violência homofóbica e a promoção da cidadania LGBT.

15. Nos organizamos para conquistar e ampliar direitos, políticas públicas e uma transformação social real dos padrões que historicamente nos oprimiram e estigmatizaram como cidadãs e cidadãos de segunda categoria.

16. Vemos hoje o fundamentalismo religioso produzir um real e perigoso enfrentamento político, ideológico e conservador contra os direitos fundamentais das pessoas LGBT. Temos isto nítido na decisão sobre a suspensão de todo o material educativo Escola Sem Homofobia, nos recuos que tivemos para aprovação do Estatuto da Juventude e nas dificuldades que há anos vemos apresentadas no Congresso Nacional para a aprovação de marcos legais que reconheçam a nossa cidadania e punam crimes de ódio homofóbico.

17. Hoje para a ABGLT é central a defesa do Estado Laico e o enfrentamento a setores que utilizam da religiosidade para promover um discurso e referendar uma prática do ódio, da aversão e da violência contra outros segmentos da sociedade.

18. Ao mesmo tempo é fundamental empoderar os discursos inclusivos presentes também no campo das religiosidades e que buscam, em contraponto aos fundamentalistas, valorizar e proteger a diversidade.

19. A guerra santa iniciada na nossa sociedade demanda que nos coloquemos como uma entidade que no próximo período criará condições para unificar as/os mais prejudicadas/os com esta movimentação de fundamentalistas contra os direitos fundamentais da pessoa humana. Precisamos pautar o potencial estratégico da luta em defesa do Estado Laico para rearticular as mobilizações e forças populares da sociedade em defesa de uma democracia plural e real.

20 O Congresso Nacional, apesar da existência de parlamentares aliadas/os, tem sido um espaço de negação das reivindicações legislativas da população LGBT, o que é inaceitável para uma casa legislativa que deve reconhecer os direitos de todas e todos.

21. Todos somos Alexandre Ivo[1] e exigimos a partir deste IV Congresso a imediata aprovação do PLC nº 122 de 2006, com a devida tipificação do delito de homofobia, como um instrumento de luta e de ação do Estado no combate a esta forma de intolerância.

22. Não abrimos mão da aprovação de uma legislação que reconheça os direitos dos casais do mesmo sexo, inclusive ao casamento igualitário, da legalização do aborto e a efetivação da política de redução de danos no uso do álcool e outras drogas, dizendo não à internação compulsória de usuários. Esperamos que o Congresso Nacional saia de sua omissão covarde aprovando também as legislações garantidoras dos direitos de travestis e transexuais, seja ao uso do nome social, à retificação do registro civil no prenome e no sexo, e ao processo transexualizador sem a patologização médica.

23. O Governo Federal deve avançar, indo além das declarações de boas intenções, garantindo os recursos orçamentários necessários à efetiva implantação das ações propostas no Plano Nacional LGBT e deve mobilizar sua base de apoio no Congresso Nacional para a aprovação de nossas demandas prioritárias.

24. Continuaremos buscando no judiciário a consolidação das decisões que vêm cada vez mais reconhecendo nossos direitos, para que não haja nenhum tipo de retrocesso.

25. O ano de 2011 tem uma importância para a conquista de políticas públicas LGBT. O Governo Federal organizará de 15 a 18 de Dezembro, em Brasília, a II Conferência Nacional LGBT.

26. Diferente da primeira precisamos nesta conferência reafirmar a necessidade de construção de um verdadeiro pacto federativo pelo fim da violência homofóbica no Brasil. Este pacto precisa auxiliar na criação de uma rede de proteção e promoção da cidadania LGBT, bem como na implementação do tripé da cidadania LGBT - coordenação, conselho e plano - em todos os estados e municípios. É necessário cobrar o compartilhamento de responsabilidades entre os entes federativos para a consolidação de políticas integradas que combatam a homofobia e promovam a cidadania LGBT.

27. Neste sentido a ABGLT tem o papel e a responsabilidade de garantir uma importante intervenção nesta Conferência. Precisamos demonstrar a visibilidade e a força com que o movimento LGBT cobrará a sua cidadania junto aos Governos e à sociedade.

28. A ABGLT completou 16 anos de fundação, contando hoje com 257 organizações afiliadas. Durante nossa construção sempre buscamos agregar atrizes e atores que pensam e se comportam de maneiras diferentes, caminhando juntas/os e lutando em prol da cidadania LGBT.

29. Porém, uma série de desafios internos está colocada para nossa entidade. Como o repensar, para o próximo período, uma estratégia na ABGLT que dê conta da necessidade de formação e qualificação que passa hoje a nossa militância de base.

30. É importante também pensarmos novas estratégias de sustentabilidade das nossas organizações, que garantam o funcionamento e a atuação de nossas organizações de forma mais autônoma ao Estado e Governos, bem como pensar e priorizar a interiorização do movimento na nossa atuação de base nos estados.

31. Somente com o reconhecimento dos problemas poderemos estabelecer metas nítidas e objetivos para garantir não só o efetivo combate à homofobia, mas também à lesbofobia e à transfobia, reafirmadas como prioridades da nossa estratégia neste Congresso.

32. A ABGLT precisa se empenhar no reconhecimento da cidadania de lésbicas, mulheres bissexuais, travestis e transexuais. Juntamente com isto precisamos ser uma rede que apoie e auxilie no processo de protagonismo da juventude, bem como se coloque de maneira permanente no enfrentamento às práticas e faces do machismo e do racismo.

33. As políticas de previdência e assistência social, em especial para as travestis e transexuais profissionais do sexo e para a população idosa LGBT, precisam passar a ser pensadas pela nossa entidade e apresentadas como parte do conjunto de políticas do nosso movimento.

34. Sabemos que a ABGLT é parte da rede do movimento LGBT, que é composta por diversas entidades nacionais. Temos o desafio de dialogar cada vez mais com as redes do movimento social que pactuam com a necessidade de unir esforços pelo fim da homofobia e pela cidadania LGBT.

35. O ano de 2012 será eleitoral e a ABGLT deve acompanhar as candidaturas LGBTs, contribuindo com uma plataforma mínima que contenha os itens e os componentes do pacto federativo.

36. Diante de todos os expostos, a ABGLT, a partir de seu IV Congresso, convoca toda a sociedade brasileira a se unir contra toda a forma de opressão, coerção e violência, por um BRASIL livre, justo, democrático e laico.

Esta carta foi aprovada na plenária final do IV Congresso da ABGLT, em Belo Horizonte, em 03 de novembro de 2011.

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