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domingo, 25 de dezembro de 2011

Impressões sobre a 2ª Conferência Nacional LGBT

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Brasília foi palco recente da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT. O evento aconteceu no período de 15 a 18 de dezembro de 2011, na sede da Conferência Nacional dos Trabalhadores do Comércio e teve por objetivo central avaliar e propor diretrizes para a implementação de políticas públicas voltadas ao combate à discriminação e à promoção dos direitos humanos e cidadania da população LGBT no Brasil.

E lá estava eu, não como delegado, mas como observador. Pisar em solo brasiliense para este fim foi decisão difícil e demorada, exatamente porque minha experiência na Conferência Estadual não foi muito boa. Pensei em boicotar a Conferência Nacional com minha ausência. Mas que diferença isso faria? Muita pretensão da minha parte, um aprendiz de militante que está há pouco mais de um ano no ativismo.

Em conversa com minha amiga Guida França, também ativista LGBT, fui convencido da situação confortável que seria ir como mero observador. Uma vez que não me envolveria com votações e inevitáveis climas passionais em alguns casos, poderia me posicionar de forma ainda mais distanciada e crítica. Também para garantir a transparência dos meus atos e evitar insinuações de oportunismo, fui a Brasília a minhas expensas e só fui flexível com relação à alimentação por uma questão de ordem prática e economia de tempo. O custo não foi pouco.


Confesso que cheguei à conferência com as piores expectativas. Esperava a descarada farsa governamental, a selvagem disputa política e a brutal ruptura das célebres quatro letrinhas do nosso movimento. Esperava ver o circo pegar fogo. E então? Aconteceu? Ora, é claro que houve propaganda institucional, divergências e disputa. Houve sim, mas não em extremos.

Eu sempre soube que a conferência era um produto do governo e, como tal, era também espaço de publicidade das versões oficiais de implementações de políticas públicas LGBT. Entretanto, eu também vi que a conferência foi espaço para o contraditório. Ótimos exemplos, a meu ver, sentaram à mesa de abertura e das plenárias como palestrantes.

Um dele foi o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), a quem não canso de render homenagens. Em fala breve na abertura, ele não teve nenhuma cerimônia em fazer uma crítica dura à política partidária ao dizer que, ao pensarmos políticas públicas para a população LGBT, não podemos pensar nos partidos e sim na sociedade. Também alfinetou a comunidade LGBT que, composta de 19 milhões de brasileiros, conseguiu produzir uma cultura e identidade coletiva, mas não fez um salto significativo para uma política afirmativa. Convenhamos, alfinetadas fazem muito bem de vez em quando.

Outro discurso empolgante, lúcido e justo foi o da deputada Erica Kokay (PT-DF), que celebra nossas conquistas e nos convida a continuar avançando sempre. Sua pesada munição foi direcionada sobretudo para o poder fascista que cresce no Legislativo, especialmente através da bem estruturada bancada evangélica. “Quando se avança na homofobia retrocede-e na constituição democrática deste país”, afirmou. Também fez críticas ácidas à campanha contra o projeto Escola Sem Homofobia, que qualificou (a campanha, por favor!) como uma construção mentirosa e leviana, bem como ao governo, que retirou o projeto sem dizer o que ele representava, e especificamente à presidenta Dilma, que procedeu ao veto alegando uma questão de costume, quando na verdade se trata de uma questão de direito. Neste sentido, alertou para o fato de se estar humanizando uma lógica social conservadora por meio do costume.

Porém, foi a fala de Luiz Melo, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás, que me arrebatou com mais força, com um discurso contundente, firme, claro, convincente e num tom surpreendentemente suave. De cara, lamentou a ausência da presidenta Dilma, que sequer encaminhou uma carta de apoio à Conferência. Também lamentou outras ausências, como do ministro da Saúde e do Ministro da Educação, a quem caberia explicar o porque do veto ao kit Escola Sem Homofobia, ou ainda a de Luiz Mott e toda sua contribuição intelectual ao Movimento Homossexual Brasileiro. Externou sua preocupação de se findar a Conferência sem um compromisso do governo para combater o tsunami de intolerância que toma o país. É dele a seguinte análise de precisão cirúrgica a partir de pesquisa acadêmica que realizou sobre políticas públicas para LGBTs no Brasil: “nunca se teve tanto, mas o que se tem é praticamente nada”.

E agora mais essa notícia da Agência Brasil, replicada em diversos sites, sobre a restauração do texto original do PL 122 que criminaliza a homofobia como uma das principais reivindicações da Conferência (http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/12/18/conferencia-lgbt-pede-restauracao-de-texto-do-projeto-que-criminaliza-homofobia). Segundo a notícia, o repúdio ao substitutivo do projeto de lei é esclarecido e defendido por Gustavo Bernardes, coordenador-geral dos Direitos LGBT da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, ou seja, governo. Para ele, “a nova versão não deixa claro que os atos de homofobia são tipificados no Código Penal. Os movimentos entendem que o substitutivo é genérico e cria dificuldade para os juízes interpretarem os casos de homofobia como crimes”.

Se, com tudo isso, a Conferência Nacional LGBT não foi espaço para o contraditório, alguém me esclareça o que é sê-lo.

Mas os exemplos não param por aí. Os melhores vieram mesmo da platéia, dos discursos acalorados das e dos conferencistas, sem cerceamento da palavra. É claro que havia limitação de tempo de inscrição e de fala, caso contrário, a conferência duraria muito mais que quatro dias. Mas não havia restrição de número de inscritas e inscritos para falar. Fiquei por vezes comovido, às vezes empolgado, às vezes pasmo, às vezes entediado, às vezes indignado com o que vi e ouvi. Enfim, uma rica salada de sensações que só fez atiçar mais ainda o meu senso crítico.

Falando em indignação e confronto de idéias, o depoimento que mais me revoltou foi de alguém que alegou que a homofobia não é fruto do machismo. Fiquei indócil, mas fui contemplado por réplicas imediatas. Esqueceram de dizer a essa pessoa que o machista entende a homossexualidade como uma inaceitável ofensa à imaculada masculinidade e que o machismo é um dos pilares da sociedade heteronormativa que produz e perpetua o preconceito e incita a violência contra todos nós, sem exceção. Digo que isso é cegueira cultural e não se verifica só na Conferência LGBT. Eide Paiva, ativista da LBL, relatou casos de lesbofobia na Conferência das Mulheres, por exemplo, igualmente combatidos.

Ainda no viés da análise da Conferência Nacional como espaço plural de idéias e debates, falo um pouco da minha experiência no GT de Poder Legislativo e Direitos da População LGBT, do qual participei. Ali eu me senti pequeno diante da grandiosidade de um garoto chamado George. Não me lembro o sobrenome, nem de onde ele é, mas fiquei boquiaberto com sua enorme bagagem e poder de articulação. Vibrei com a indicação de uma transexual do Rio Grande do Sul para coordenar a mesa desse mesmo GT, por, digamos, voto popular. Fiquei orgulhoso com a Bahia sendo ali bem representada por Edilene Paim e soube que Eide Paiva não fez por menos em outro GT. Aliás, a expressiva delegação baiana se fez presente em todos os grupos de trabalho, mesmo com a falta de alguns delegados eleitos.

Nas plenárias, senti-me inspirado pela firmeza das lésbicas, negras e negros em sua constante e incansável busca de empoderamento. Amei perceber que travestis e transexuais ganham espaço, voz e representatividade a cada dia por sua luta própria e heróica, independente das ações do poder público. Aprendi um novo termo, o capacitismo, para definir a discriminação contra pessoas deficientes, conceito apresentado por uma pesquisadora lésbica com deficiência e definitivamente incorporado pelo Conferência e pela militância. Achei um barato me “infiltrar” acidentalmente na Rede Afro. Lá estava eu, branquelo, entre negonas e negões, sem que isso tivesse causado qualquer constrangimento aparente. Ah, e ainda experimentei a estranha (ou queer?) sensação de encantamento por um transexual masculino muito fofo cujo nome não me lembro agora, mas sei que era o mais jovem dos quatro ali presentes e que namorava uma transexual feminina. Nossa! Quanto nó na minha cabeça. Só senti falta de um posicionamento mais destacado de bissexuais. É certo que eles eram sempre lembrados nas construções de propostas e diretrizes, mas não surgiram como um segmento político, independente e afirmativo.

Por tudo isso, eu não posso negar que a Conferência Nacional LGBT foi uma experiência rica na minha vida. Meu envolvimento era tamanho que me sobrou pouquíssimo tempo fora dos horários do evento. Eu não conseguia desgrudar da cadeira, tanto na abertura, quanto nos grupos de trabalho e nas plenárias. Chegava no início dos trabalhos e só saia no final, quando então era sempre muito tarde. Pausa? Só para me alimentar. Eu tinha sede de saber e a pluralidade de idéias garantiu a riqueza do meu aprendizado.

Mas será que o meu senso crítico está comprometido pela paixão do momento? Acho que não e me pergunto: o que nos espera daqui para frente? Do que adiantou tanto trabalho desde as conferências territoriais? As diretrizes propostas em Brasília serão realmente postas em prática? Todas? A maioria? Poucas? Nenhuma? Não sei. Isso depende, sobretudo, da vontade política do poder público. Mas uma coisa eu garanto: de braços cruzados eu não vou ficar. Porque realizar também depende de mim. Depende de nós.

Para aqueles de longa estrada, esse meu depoimento pode parecer pueril, apesar dos meus 47 anos, mas eu preciso lembrar que estou apenas há um ano na militância e nunca me debrucei sobre esses assuntos como hoje faço. Talvez por isso meu ânimo possa parecer risível, mas torço por não perdê-lo nunca.



Gésner Braga é militante do Adé Diversidade, filiado ao Fórum Baiano LGBT
Relato originalmente publicado no site do Adé Diversidade

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