Maria-Fatima Santos*
Leandro Colling organizou o evento e o livro |
Leandro Colling organizou o livro “ Stonewall 40+ o que no Brasil?” como resultado do evento organizado pelo grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CUS). A combinação de artigos de vários autores com as transcrições das mesas redondas revela a complexidade de questões LGBT/queer e, ao mesmo tempo, consegue evitar o velho caminho da teoria que não se relaciona com a prática, ou, como dizem os brasileiros, consegue não “ viajar na maionese.”
Suely Messeder palestrou em uma mesa |
“Nós vivemos em uma situação que parece que temos muita liberdade, mas quando menos se espera, cai uma cacetada em sua cabeça.” Edward MacRae, como outras vozes do livro, admite que muito mudou desde a internacionalmente significativa revolta, em Nova Iorque, contra o tratamento desigual da comunidade LGBT.
Nilton Luz representou o Fórum Baiano LGBT no evento |
A revolta de Stonewall, 40 anos atrás, foi um momento significativo na luta pela diversidade sexual ao redor do mundo, mas este livro destaca como a experiência brasileira contribui ao debate global. Por exemplo, a parceria entre o Ministério da Saúde e a comunidade LGBT durante a epidemia HIV/AIDS serve como exemplo de possibilidades de diálogo com o estado, o qual não aconteceu na mesma maneira em países como os EUA e a Austrália.
Mas ainda vivemos em comunidades onde a diversidade sexual não é realmente aceita, onde travestis são “regularmente torturados e mortos” e onde “muitos homossexuais são desrespeitados em sua dignidade humana.”
O CUS organizou um diálogo entre acadêmicos e militantes sociais para questionar a comunidade LGBT/queer em relação a política, identidade, e cultura, que resultou na publicação aqui citada.
Júlio Simões assina o artigo “Marcadores de diferença na “comunidade LGBT”: raça, gênero e sexualidade entre jovens no centro de São Paulo.” Richard Miskolsci, em “Não somos, queremos – reflexões queer sobre a política sexual brasileira contemporânea,” desafia as concepções dos acadêmicos e militantes sobre identidades LGBT/queer em relação à luta pela diversidade. E, Berenice Bento, na “Política da diferença: feminismos e transexualidades,” pergunta como os conceitos de feminismo e transsexualidade complicam e contribuem para o nosso entendimento de questões LGBT/queer. Ela demonstra como aceitar ou construir nossa identidade pode ser ambos um conforto e um aprisionamento.
A inclusão, no livro, de tantas vozes com perspectivas distintas - junto ao seu formato de diálogo - enfatiza a importância de se refletir e se debater sobre os sucessos do passado e os desafios do presente. A variedade de pensamentos evidencia a valorização de uma pluralidade de movimentos, experiências e identidades. O debate entre os que exploram a “ teoria queer” e os que enfatizam uma política de identidade é mais visível na Bahia do que em São Paulo, por exemplo. A luta para o reconhecimento da diversidade no Brasil não é igual a da Argentina. “Stonewall 40+ o que no Brasil?” abraça esta pluralidade e contribui com ela.
O livro problematiza o papel e os riscos das identidades. A população LGBT/queer não é invisível como antes era, mas, quais imagens chegaram a representar estas identidades? A “ bicha louca”? Os marginalizados e criminosos? O gay assimilado? Quem tem direito de construir as identidades “visíveis” ? Novelas e outros produtos culturais “cobram um preço elevado para nos mostrar, mostram sempre as comportadinhas, as brancas, as limpinhas, as que não são muito fechativas, que não fazem banheirão, que não vão no cinemão.”
Definir o que é ser gay, lésbica, queer, heterosexual, transsexual, travesti, ou inter-sex é importante para entendemos a nós mesmos e um ao outro. Mas, cada vez que definimos e restringimos uma categoria, mais possível será a exclusão de outros que não se encaixam no molde… contudo, a idéia não era lutar contra a exclusão?
Este livro nos desafia a pensar como podemos evitar apagar nossas identidades e ao mesmo tempo empregar uma estratégia que vá além delas. Nilton Luz (Fórum Baiano LGBT) afirma: “Nao podemos dizer que a luta das mulheres brancas é a mesma das mulheres negras. Não podemos dizer que a luta dos gays é a mesma das lésbicas, mas é obvio que tem pontes,…estas lutas não podem ser construídas sozinhas, estas lutas têm de ser construídas todas com alianças e parcerias entre diversos segmentos, e sempre respeitando as especificidades e as diferencas, afinal, as diferenças existem naturalmente na sociedade, assim como as igualdades.”
Leandro Colling diz: “Se conseguirmos aprovar o projeto que criminaliza a homofobia… a homofobia não irá acabar.” Ação política faz efeito quando a sociedade é transformada, quando focalizamos não apenas na mudança política, mas também na mudança cultural. A comunidade LGBT/queer conseguiu o direito à união estável, mas, a criminalização da homofobia ainda está longe e para avançar a luta para aceitação de diversidade sexual ainda requer diálogo.
Diálogo possibilita transformação através da unidade dos que querem lutar pela diversidade, uma unidade construída por mais do que corpos e identidades. Uma construída pelo desejo por pluralidade em vez do desejo por apagá-la.
*Bacharel em Filosofia e Pesquisadora no Brasil por Fulbright
E-mail: fatinha.santos@fulbrightmail.org
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