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sábado, 13 de novembro de 2010

[ARTIGO] "Os inimigos do amor" - Paulo Ghiraldelli Jr.

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O caso da professora de matemática do Rio de Janeiro, presa por estupro de uma garota de treze anos, sua aluna, está desenvolvendo todo tipo de reação conservadora e, pior, descabelada na mídia. As avaliações morais cedem ao moralismo barato. A pressa em julgar embota o raciocínio. Nessa hora, a filosofia tem seu papel de chamar as pessoas ao bom senso, pedirem que reflitam sob parâmetros mais amplos. Ao menos aquelas pessoas que sabem que podem contar com seus cérebros.

A professora de matemática é casada e teve encontros em motéis com a aluna. Uma vez descobertas, a professora foi presa e deverá perder o emprego – talvez nunca mais possa vir a exercer a profissão. A aluna afirma que a professora não a estuprou e não a prostituiu. Ela, a aluna, diz que ama a professora e concordou com tudo – ela quis fazer sexo com a professora. A professora também confessa que está apaixonada pela aluna. Caso não fossem descobertas, não só a professora não perderia o emprego como a aluna cresceria como uma pessoa normal, mas agora, está marcada pelo escândalo. Uma relação amorosa não a marcaria senão como uma experiência de namoro. Agora, por conta da suposta proteção que a lei exerce sobre ela, talvez ganhe uma marca insuperável na sua vida adulta.

Mais uma vez temos, no Brasil, aquele tipo de caso em que a lei que visa proteger a infância pode, no frigir dos ovos, antes que beneficiar a suposta vítima prejudicá-la de um modo irreparável.
Vários de nós, brasileiros adultos, tivemos namoros com pessoas de idades bem diferentes da nossa. Muitos de nós tivemos relações homossexuais, com o sem grandes diferenças de idade. Nenhum de nós cresceu com fobias ou com grandes traumas por conta disso – acharíamos estranho que nos perguntassem se isso nos violentou ou violentou quem eram nossos parceiros e parceiras. Tanto isso é verdade que alguns de nós não hesitamos em contar tais experiências. E há quem nem tenha que contar, pois é de situações desse tipo é que se sustentam os relacionamentos estáveis que vigoram hoje em dia em suas vidas adultas regulares e conhecidas de todos.  Podem assim agir porque agora os parceiros ou parceiras não são mais “menores de idade”, mas certamente o foram quando tudo começou.

Tudo isso é verdade. Sabemos disso. Sabemos também que nossos bisavós, avós e talvez pais, não raro, namoraram bem jovens e até casaram assim. Todos nós temos na família alguém que namorou bem jovem, com treze anos ou quatorze anos. Muitos de nós temos na família, até de modo aberto, situações assim que envolveram relações homossexuais. Podemos falar mais das primeiras que das segundas, mas uma parte de nós sabe que estaríamos redondamente enganados se quiséssemos avaliar que relações desse tipo foram relações que deveriam antes ser antes punidas como práticas perversas que abençoadas como sorte de amor verdadeiro.

No entanto, quando casos como esse da professora de matemática e sua aluna fogem do círculo familiar ou pessoal, é como se esquecêssemos de nós mesmos e, então, com parâmetros que queremos universalizar mesmo a contragosto dos fatos empíricos particulares, metemos todo mundo no campo do pecado e aproveitamos de que a lei é cega para transformá-la, também, em surda. Ao invés de usarmos da lei para inteligentemente ajudar nossa vida social, aproveitamos da lei para criar o inferno na Terra. Então, descobrimos, às vezes tarde demais, que essa lei pode se virar contra nós, contra nossos filhos – que a normalidade que cobramos de outros não existe, e que o normal é antes podermos amar que não amar.

A questão toda, nesse caso, pode ser colocada do seguinte modo: será que estamos do lado da justiça ou, na verdade, estamos apenas tentando colocar sob grades aquelas pessoas que estão felizes por poderem fazer aquilo que perdemos a capacidade de fazer, que é amar, curtir a vida eroticamente e ser feliz? Essa questão dói no couro de vários repressores mal amados.

É pouco plausível defendermos a idéia de que há idade para que o amor seja legítimo, principalmente quando fisicamente se está apto para tal e quando psicologicamente temos a clareza da situação que é possível ter em casos de amor. Em casos de amor, sabemos, é difícil dizer, do alto de nossas idades, que somos agora aptos! É menos plausível ainda que possamos dizer que amor de pessoas do mesmo sexo não é legítimo. Sim, estou levantando essa segunda questão porque no caso da professora, parece que a vontade de puni-la, por parte de algumas vozes, extrapola a vontade da lei. Talvez se a garota tivesse o seu amor dirigido a um professor, as grades ganhas seriam as mesmas, mas o ódio social menor.

De qualquer forma, sendo que os parceiros não estavam em relação de prostituição e sendo que não houve violência física ou psicológica, não seria o caso de cumprirmos a lei de modo menos burro? Não seria o caso de começarmos a flexibilizar a lei, adaptando-a a uma situação onde o amor não fosse condenado pela nossa mágoa de não podermos amar como queremos? Não há nessa lei, do modo como ela está sendo usada (atingido até o diretor da escola, agora também acusado de pedofilia por não saber do que ocorria!), apenas o desejo de fazer da Terra o lugar da penitência que vozes carolas acreditam que o Diabo está preparando para todos, quando tivermos de deixar esse mundo?

É difícil acreditar que uma garota de treze anos, na atual sociedade, não seja sexualizada e não saiba que está apaixonada por alguém do mesmo sexo e que, enfim, não tenha decidido ousar poder viver esse amor. Também é difícil querer dizer que alguém com trinta e três anos, como a professora, não pode cometer “loucuras do amor”, cedendo aos olhos meigos da jovem, que promete à professora um relacionamento seguro, não maldoso, incapaz de ir bater na porta do marido para uma chantagem. 

Ter trinta e três anos pode ser bastante diante de quem tem zero anos, mas é bem pouco diante de quem tem, por exemplo, como eu, cinqüenta e três.  Imaturidade – julgada assim, sem ponderação – é algo que pode ser posta na balança por nós ao queremos proibir um amor que, enfim, nem mesmo trás o risco de gravidez precoce?

Talvez esteja na hora de não criarmos o nome “pedofilia” e o nome “estupro” para tudo que existe no mundo que seja relacionamento entre bípedes-sem-penas, como estamos fazendo. É bom que comecemos a requalificar esses dois nomes, de modo a não inventarmos uma sociedade que é capaz de punir nossos filhos e, de certo modo, até nós mesmos em passado recente, por alguma coisa que nunca fugiu de nosso ethos. Os inteligentes, eu sei, entenderam bem o que eu falei e virão comigo. Os mal-amados, tenho certeza, continuarão com leis arcaicas que criam punições para toda a vida por supostos crimes que não foram crimes, e que duraram apenas … um amor de verão.

@ 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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