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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Carta da Rede Afro LGBT ao ministro da Educação, Fernando Haddad, reivindica re-análise do parecer do CNE. Leia a íntegra

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Oficio nº 23/2010

Carta Aberta ao Exmo. Ministro da Educação do Brasil

Sr. Fernando Haddad

Caro Ministro,

A REDE NACIONAL DE NEGRAS E NEGROS LGBT, entidade social, representada em 20 estados do Brasil e um Distrito Federal, que tem como objetivo o enfrentamento à homofobia, ao racismo, ao machismo, à intolerância religiosa e toda sorte de preconceitos e discriminação, vem respeitosamente dialogar com esse ministério acerca do uso do livro Caçadas de Pedrinho nas escolas e bibliotecas escolares de nosso país.

Entendemos que a literatura, antes mesmo de ser apenas arte pela arte, é uma ferramenta cultural, ideológica, formadora de opinião e reflexão sobre a sociedade em que vivemos.

Entendemos que o escritor Monteiro Lobato é uma personalidade conhecida e reconhecida internacionalmente pela grandeza de sua obra.

Entendemos ainda que durante muitos anos o Brasil viveu sob uma ótica de que não existia racismo, isso porque nossa nação foi pensada como uma nação de povos mestiços, criando a falsa impressão de que no Brasil não existe nem branco, nem negro, nem indígena, mas uma mistura de tudo, esse pensamento pode ser constatado na obra Macunaíma de Mario de Andrade.

A idéia da “não existência de negros na sociedade” mascarou ideologicamente o racismo presente e evidente em nosso país, embora o outro lado da história do Brasil constate a exclusão social e o tratamento desumano dado a negras e negros ao longo de toda nossa história, basta ver os índices de desempregados, encarcerados, analfabetos, mortes violentas, e toda sorte de violência física e ou psicológica cometidas contra a população negra de nosso país.

Obviamente, Sr ministro, toda violência, seja física ou psicológica, tem uma origem, essa origem pode ser evidente ou sutil, mas ela nasce de alguma “historinha”, alguma canção aparentemente inofensiva, de uma piadinha sem “intenção”, e vale ressaltar que nas escolas todos os dias vemos crianças brancas ou negras apelidando as outras também negras de macacos ou macacas, comparação que Monteiro Lobato faz a Tia Anastácia, personagem mulher negra de sua obra Caçadas de Pedrinho.

Acreditamos que o Sr Ministro e toda sociedade  deve conhecer o “Atirei o Pau no Gato”, ou ainda o” Boi da Cara Preta”,  à primeira vista parecem canções inofensivas sem nenhuma intenção de criar violências até então, no entanto aos olhos mais críticos, sejam de pedagogos, professores, historiadores, ativistas sociais, pessoas comuns da sociedade; dá para perceber, evidentemente, que o pau no gato poderá educar uma criança com a idéia de que se pode maltratar os animais, o que por sinal também aparece na obra de Monteiro Lobato, pois quem não lembra do Sítio do Pica-pau Amarelo na televisão mostrando o Pedrinho com seu bodoque, ou estilingue (depende da região como nomeia um instrumento de violência para matar passarinhos) atirando pedras em passarinhos.

Também fica evidente que o “Boi da Cara Preta” poderá criar nas criancinhas a ideia de que negros e negras são pessoas maldosas, perigosas que podem pegar crianças, posto que os mesmos possuem, não só a cara, como todo o corpo preto.

Embora essas leituras nem sempre sejam feitas, por boa parte da nossa sociedade, elas existem de fato, e são possibilidades que evidenciam violências aos animais como também ao povo negro.

Monteiro Lobato não fez essa leitura ao escrever sua obra, também não faria, pois o mesmo não vem de classe pobre e negra, para Monteiro ele estava escrevendo apenas uma historinha onde o racismo é algo natural, ou ainda algo que não existe, posto que a inferioridade da raça negra foi justificada, inclusive cientificamente, por pensamentos como os de  Cesare Lombroso.

Também é sabido, Sr ministro, que até na década de 70, quando se cria a Frente Negra Pernambucana, alguns intelectuais da época questionam Solano Trindade quando o mesmo se posiciona dizendo que um dos objetivos da frente era de enfrentamento ao racismo, essa polêmica inclusive é resolvida disfarçando a Frente Negra Pernambucana de espaço de cultura negra para que a mesma pudesse existir. O questionamento dos intelectuais da época era baseado na falsa idéia de que no Brasil existisse racismo, pois o mesmo sempre foi negado por um segmento da sociedade que tinha seus interesses políticos e ideológicos.

Nesse contexto podemos perceber como a discussão sobre o racismo e a violência presentes em todos os espaços de nossa sociedade, inclusive nos livros didáticos e obras literárias canonizadas é polêmica, pois nossa sociedade ainda insiste em dizer que não existe racismo e que ações como a da SEPPIR e o parecer  15/2010 do Conselho Nacional de educação não tem razão de ser.

Diante do exposto, a REDE NACIONAL DE NEGRAS E NEGROS LGBT vem reivindicar de vossa excelência repensar vosso posicionamento frente ao parecer 15/2010 do CNE.

Vimos também reivindicar desse Ministério a efetivação do Ensino da História e Cultura dos Povos Africanos e Afrodescendentes, garantido na Lei 1069/2003 e no Plano Nacional para Implementação do Estudo da História e Cultura dos povos Africanos e Afrodescendentes. Na perspectiva da construção de uma sociedade mais justa e de uma educação mais inclusiva e reflexiva acerca das questões raciais e enfrentamento ao racismo no Brasil,

Agradecemos,

REDE NACIONAL DE NEGRAS E NEGROS LGBT

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